terça-feira, maio 29, 2012

"Ela é louca..."


E sem nenhuma vontade eu me arrumava para sair naquela noite. Eu só queria ficar quieto, ler algum livro, ficar bêbado enquanto escrevia qualquer coisa, dormir ao som dos grilos que se escondiam atrás dos armários. No entanto, lá estava eu noutro apartamento, de um qualquer, ao telefone com o pai dela, que não fazia nenhum esforço para demonstrar gosto por me ver com ela.

- Eu cuido dela, ela vai ficar comigo durante a festa, e vai voltar comigo... Entendo a sua preocupação, é a sua filha (minha namorada, pensei)... Certo, vou deixá-la aí mais tarde, como quiser... Boa noite.

Horas depois estava lá eu na fila para conseguir entrar. Com um copo de cerveja morna na mão, esperava por ela e mais suas amigas chegarem jogando conversa fora com um bando de garotos mais novos que eu. Eu só conseguia pensar na minha cama e no meu copo favorito cheio de vodca e em que diabos de hora aquela garota ia aparecer afinal. Eu sorria em silêncio para o grupo enquanto eles se vangloriavam sobre qualquer merda que não lembro agora.

Finalmente ela ligou, eu já estava lá dentro, esperando-a com as entradas na mão, e ela estava lá fora, com toda aquela fila e com todas aquelas amigas. O que eu faria então? Não podia perder os ingressos, não podia mais sair para acompanhá-la numa enorme fila (eu até poderia, mas não estava com saco para mimá-la mais uma vez), decidi ficar ali mesmo, olhando para ela e para os lados e pensando em algo mais fácil. Veio-me a ideia, era interessante, hora do show. Conversar com as pessoas desconhecidas nunca me agradou, e às vezes nem mesmo com as conhecidas, a não ser para tirar favores delas, eu podia ser muito bom nisso. E lá estava eu de papo com o armário de quase dois metros de altura vestido com um paletó barato e gasto nas extremidades.

- Ela está comigo, amigo. - Apontei para a minha garota. – Ela inventou de sair da fila só pra se encontrar com as amigas e acabou se perdendo de mim. Abre aí para ela entrar. - Eu tinha ao meu lado um dos organizadores da festa, amigo de longa data, era o meu ponto de verdade em toda aquela inocente mentira. Ele acenou pro segurança, e o armário saiu do meio, elas entraram.

Mentir sempre foi uma das minhas melhores habilidades, eu estava um pouco enferrujado, não mentia há muito tempo, somente por ela.  Veja só, um homem é louco o suficiente por uma mulher quando abre mão de algo da sua natureza por ela, somente para vê-la sorrir. Bastava um sorriso dela e eu estava hipnotizado. Todas aquelas gargalhadas, aquelas pequenas rugas que ser formavam perto ao redor daqueles pequenos olhos verde-mel que se fechavam com todas aquelas risadas e tantos outros detalhes que aos poucos foram sumindo da minha memória cada vez que eu beijava o álcool desde o fim.

Cenas quaisquer se passaram e lá estávamos dentro da festa, eu com ela, ela com duas amigas coladas, e minha paciência dentro do quarto, assistindo futebol e segurando uma cerveja gelada. Uma amiga dela qualquer insistia em tirá-la de mim, e eu não estava com saco para joguinhos infantis, tirei a carteira, virei às costas para elas e fui ao bar, precisava de mais cerveja.

- Ô, amigo, desce uma bem gelada!

- Só tem lata, senhor.

- Lata gelada?

- Sim.

- Serve.

Abri e dei um gole, todo aquele liquido gelado e espumoso descendo pela minha garganta me fez sorrir. Eu sorria para uma cerveja, eu era um idiota. A minha garota dançava no meio da pista com as amigas e entre um gingado de cabelo e um sorriso para as amigas, ela procurava por mim sem sucesso, eu estava sentado no bar, afundado numa das cadeiras do balcão apenas rindo e assistindo ela dançar e me procurar, e pensando talvez no meu quarto e na minha máquina.

Terminei a primeira lata e paguei logo pela segunda. Ela veio mais gelada, eu estava mais feliz. Continuava sentado assistindo, até dois garotos se aproximarem da minha garota e da amiga mimada. Eu ria enquanto minha garota procurava aflita por mim. Os caras estavam sendo educados, eu não via problema nisso, afinal ela era linda. Ela via problema nisso, me caçou com os olhos por toda a pista enquanto arranjava tempo para dar seguidos foras no cara, contei quinze ‘nãos’ saindo daquela delicada boca e então levantei o braço para que ela conseguisse me achar. Ela me viu e me fuzilou com os olhos, eu ri, ela entrou na minha mente com um 'VEM LOGO, PORRA!' e eu balancei a cabeça. 'OK!'. Peguei minha cerveja, levantei e fui até ela, bati no ombro do cara.


- Hey, garoto, ela tá comigo. Eu estampava o maior sorriso sarcástico.

- Você é o namorado dela? Ele ainda tentava me desafiar... Ò, garoto inocente e idiota... Peguei-a pela cintura, puxei-a até o meu corpo e ainda segurando a lata com a mão esquerda, enfiei minha língua na boca dela.

-Okay! Desculpa aí, cara, não sabia que ela tinha namorado...

Ainda com a minha boca na dela, apenas levantei a cerveja e destaquei o dedo do meio para o garoto.

Primeira hora da madrugada e eu saía da festa com a quinta lata na mão, com o saco cheio por causa de uma discussão boba, com um dos botões da camisa rasgado por uma desconhecida e bêbada e tarada qualquer. Chamei um táxi.

- Boa noite, senhor!

- Me leva pra casa, amigo, não to com saco pra conversar. – Dei meu endereço e afundei no banco de trás.

- Mulher? – O taxista perguntou olhando pelo retrovisor central do carro.

- Ela é louca... – dei o último gole na cerveja, baixei o vidro, atirei a lata e levantei o vidro. Fechei os olhos 
e fingi dormir, não queria papo com ninguém, só queria entrar na minha cama.

'Ela é louca, e eu, idiota por ela.' Foi o último pensamento antes de tirar a roupa e entrar nas cobertas só de cueca.


Lucas Sales Viana

domingo, maio 06, 2012

Um coração partido e um homem fodido.

Numa noite tão especial e única a cada ano, em que a lua, que me é sempre tão linda e mística quando cheia, resolveu aparecer maior e de um brilho ofuscante e com uma beleza tal que por diversas vezes me fez parar hoje para admirá-la. Apenas erguia a vista ao céu, parava de pensar em tudo, uma de minhas tantas maldições, e passava a sentir algo bom que vinha daquela grande bola branca, eram curtos momentos de vacuidade.

Era noite de um dia inteiro de enxaqueca, sinto que não me servem mais esses óculos, mesmo assim todo aquele brilho não me incomodava. Eu ia sendo levado a um passeio em 'família', e tudo que me interessava era apenas ficar ali olhando pela janela do carro para o céu, me sentia infantil por fazer aquilo, mas me sentia feliz.

Eu poderia dizer que a noite foi completa ao, casualmente, entrar sem esperanças alguma, apenas por costume, na livraria de sempre e procurar entre os livros por algum exemplar de qualquer livro que ainda não tenha lido do 'velho safado'. Era uma noite única aquela, eu tinha exatamente ali quase todos os livros que me faltam ler a minha disposição, um sorriso me escapou e peguei logo três dele e um de Dostoievsky, mas não poderia comprar todos.

'As Mulheres' e 'O amor é um cão dos diabos' do Buko vieram, os outros terão que esperar por mais dinheiro, maldito dinheiro. Mas não importa, eu tenho o tempo ao meu lado. Aos poucos então eu vou lendo e conhecendo e me descobrindo dentro dos dois, de todos os já que lera.

Entrei nas mulheres do velho, com todo respeito a você, a elas e a ele, e me perdi nelas, lembrei-me da minha mais uma vez naquele dia, tentei ligar, mas sem sucesso, não é um dia de tanta sorte assim então. Pelo computador, consegui falar com você, mas eu estava longe, talvez na Lua. Você, minha garota, parecia cansada, foi para cama, me deu então um boa noite e um beijo. E eu fiquei com elas... E como Chinaski fala logo no começo da obra, 'Muito cara legal foi parar debaixo da ponte por causa de uma mulher.' A verdade dura da vida. Um coração partido e um homem fodido. Muito fodido.

É madrugada então de um novo dia, a lua continua cheia e brilhante como se não fosse outro dia, mas sim, é um outro dia, estamos em um domingo, mais um domingo nauseante como todos os domingos são. E algo me parecia incomodar aqui dentro, aquela sensação de 'estou esquecendo de algo'. Foi preciso mais de uma hora com essa coisa na cabeça e um aviso numa rede social para saber que hoje, seis, é o aniversário seu, a minha amada.

E como eu me sinto ao saber disso? Um lixo. Ou pelo menos um completo esquecido narcisista. Eu passei todo o sábado a lembrar de você, ao acordar e colocar a aliança no dedo já marcado, ao escovar os dentes e lembrar dos momentos em que escovamos os dentes juntos, jogando pasta um no outro e pedindo beijos com a boca cheia de espuma (tosco de fato, porém hilário). Ao pegar uma camisa branca limpa para vestir e vê-la vestida só com aquela mesma camisa. E então finalmente conseguir tomar um café segurando o riso bobo de quem está apaixonado por lembrar das besteiras que fazemos enquanto comemos.

Agora ela está sentada fazendo um simulado e eu estou aqui sentado assistindo um programa qualquer enquanto como, espero que ela esteja se saindo bem, não posso deixar de ligar mais tarde para ela. Cinco minutos depois e me veio a lembrança de que você sairia com suas amigas depois disso. Melhor não ligar, não quero atrapalhar esse momento. E caí nos livros. Qualquer coisa que me ajudasse a me desligar um pouco de você servia e foi servindo. Chegou a noite e eu me vi dentro do chuveiro, e mais uma lembrança me veio. Acho que ela já deve estar em casa, vou ligar quando voltar das compras, deve ser rápido, consigo falar com ela antes das dez. Eu estava ali tirando todos os pelos que sempre incomodam a você e à minha pequena irmã.

Faltava sete para as onze, eu estava em casa finalmente, nada saiu como o planejado, mas eu tinha um novo par de tênis para jogar, dois livros novos para ler, uma barriga cheia com o meu sanduíche favorito e um grande copo de coca e um biscoito com gotas de chocolate. Talvez ela ainda esteja acordada, não custa nada tentar. Mas o sinal do celular nesse local e nada é a mesma coisa, eu tinha em mãos um aparelho que só servia para uma emergência. Eu tinha nada afinal.

Liguei o computador e lá estava você, cansada e de poucas palavras, eu queria estar com você, cuidar de você. Mas, mesmo assim, eu não sabia que hoje era o seu aniversário, não até ver um aviso numa rede social qualquer. E como eu me sinto ao saber disso? Nada surpreso. Não consigo decorar os aniversários, sempre fui péssimo com datas, não seria hoje diferente. Mas eu me sinto ruim por não ter passado a véspera dele com você, mesmo que acompanhado das suas amigas. Não que seja isso ruim, mas apenas não conheço-as, e não sou tão fácil de lidar, você bem sabe disso.

E então chegamos a hora de agora, e o que eu devo fazer? Dormir, só me resta dormir. Talvez conhecer alguma mulher do velho em vão, pois nenhuma me interessa. Só você, meus olhos são pra você, e ouvidos e boca e corpo.

Amanhã as nove horas em ponto da manhã o celular irá me avisar que hoje é o seu dia. Mas para esse bobo que te ama, todos os dias são seus e sempre serão por mais que minha faculdade tome boa parte deles.

Então espero que você esteja esperando por uma ligação minha daqui a algumas horas, de certo que será pela tarde, não pela manhã por saber que você ainda tem outro simulado para fazer. Mas não duvide de ter aquela mensagem matinal no seu novo celular. Não espere por surpresa, ou espere, nunca se sabe o que pode surgir de um coração que ama.

Acho que posso terminar por aqui, mas não por hoje.



Lucas Sales Viana