quarta-feira, agosto 01, 2012

A garota com olhos de jabuticaba.


Cap. 1

E quando voltei me vi dirigindo o carro preto de vidros escuros. Page cantando Stairway to Heaven num volume baixo, ela me olhando do banco do carona com aqueles grandes olhos negros e eu já não sabia quantas arritmias meu coração alcançava por aquele momento. Eu não sabia para onde ir, nem como chegar lá, eu não sabia em qual marcha estava, ou se estava com o cabelo despenteado demais. Olhar para ela, ou para a pista? Em que dia estávamos afinal?

Finalmente ali eu conhecia a garota que por semanas conversei e comecei a conhecer pela internet. Estava encantado, nervoso, ansioso... Minhas mãos tremiam e eu tentava disfarçar evitando qualquer movimento desnecessário, elas ficavam no volante e só a direita saía para entrar a marcha. Era impossível não olhar para ela com o canto do olho e ela sempre estava lá olhando para mim.

O que ela estava pensando afinal?

A cada sinal vermelho uma parada para beijos e olhares mais profundos. Estar com ela é o único momento em que desejo que todos os sinais da cidade estejam vermelhos e que permaneçam assim. E espero até mais, tenho o desejo de todo tolo, que o tempo nunca passe, ou que pelo menos não tenha tanta pressa, enquanto estou ao seu lado. Mas ele é mau. Ele se diverte ao passar mais rápido, ao pular os segundos para chegar logo no minuto, ao cortar pela metade os minutos e gritar a hora. E assim o que rotineiramente se mostra como uma hora, com ela eram quatro. O tempo zomba da gente e do meu desejo de sempre estar com ela.

Foi-me preciso um par de curvas para as ideias voltarem ao eixo e o caminho se mostrar claro outra vez.  E a cada sinal que ficava para trás mais perto do Dragão ficávamos. Nosso primeiro encontro. Eu estava levando-a para onde eu tinha sempre vontade de conhecer, mas até aquele dia sempre arranjava desculpas para não ir. Não que eu nunca tenha ido, mas uma rápida passada pela cafeteria de lá e as tantas outras vezes que ia aos bares da rua de baixo para esquecer algo dentro das garrafas vazias de cerveja que ficavam em cima das mesas não me faziam um conhecedor da área. Mas eu não podia perder a pompa. Parei o carro, subimos pela escada de metal já de mãos dadas. Eu poderia ter jogado a culpa pelas mãos congeladas no ar do carro, mas ela parecia não se importar, talvez de tão nervosa quanto eu. Nosso primeiro beijo em pé foi naquela ponte, o Sol batendo no meu rosto com a força e a inimizade de sempre. Maldito Sol! Mas ela era mais importante, senti-la era tudo para mim naquele momento.

Eu não tinha a menor ideia do que faríamos ali, eu não conseguia falar, eu não sabia o que havia em exposição ali, e nem sabia do que ao certo ela gostava. Era um tiro no escuro. Eu sempre gostei disso, da sensação de que tudo pode dar errado, ou certo. Era um risco alto, mas a recompensa valia. Continuamos a caminhar até encontrarmos uma exposição e entramos. Um quarto escuro com um projetor no teto que jogava numa das paredes uma chuva leve e tranquila em um rio. No chão dali, dois puffs enormes e pretos, ou azuis, ou verdes, não dava para ter certeza da cor afinal. Caímos num e lá ficamos nos beijando. Eu a abraçava e apertava contra o meu corpo, mas a beijava com calma e sempre com carinho. Eu estava ali com a garota que conheci pela internet, quem poderia acreditar?

Entraram outros casais, pessoas solitárias, crianças em excursões escolares, eu podia ouvir tudo e todos, mas não tirava os olhos dos delas, por mais difícil que fosse vê-los em toda aquela escuridão, mas o verde da mata do rio ajudava. E então gentilmente nos expulsaram de lá, fomos convidados a visitar as outras salas da exposição, estouramos o tempo ali deitados. Era a primeira demonstração da maldade que ele pode fazer conosco. Passeamos pelas outras salas então e sem muita opção. Saímos em seguida.

Eu consigo lembrar a sua roupa, sapatilhas, calça jeans, a camisa polo feminino azul-marinho, e os óculos, ela usava óculos, assim como eu, e que lhe davam uma aparência de inteligente. Ela é inteligente, mais do que qualquer outra que conheci. Enquanto andávamos pelos corredores perdidos em nossos pensamentos e nos olhávamos com sorrisos que aos poucos perdiam o nervosismo daquele momento, caí fundo naqueles olhos que mais pareciam duas jabuticabas de tão pretos e redondos e brilhantes, acabei viajando e só voltei com um pensamento na cabeça. Eu estou fodido, estou apaixonado por essa garota! Quisera eu não estar, seria mais fácil assim das palavras saírem da boca, seria mais fácil de controlar as emoções, seria tudo mais fácil e menos verdadeiro.

Eu contava com a sua bondade para relevar todo o meu silêncio e nervosismo. Procuramos por outras coisas, passeamos por todo o Dragão, fomos ao cinema, e ele estava fechado, procuramos por outras salas com exposições, e estavam fechadas, a cafeteria também fechada. Droga! Que azar, cara! Agora ela já deve estar pensando que você nunca veio para cá e sequer planejou esse encontro. Eu achava ali que tinha perdido no jogo. Mas não.

Sentamos num dos muitos bancos brancos que tinham lá e lá ficamos. Ela à minha direita sentada e olhando e sorrindo para mim e eu sorrindo como um bobo, aos poucos as palavras iam saindo, mas logo eram interrompidas por um longo beijo. A conversa ficou naquilo, no básico. Nas estórias banais do dia-a-dia e nas curiosas também, nos interesses, nos estudos e até na família chegamos. Nós já sabíamos que nossos gostos pela música e pela leitura batiam pelas conversas virtuais. Queríamos mesmo era nos beijarmos.

Eu não sei explicar como o beijo funciona. Ele, para mim, é instintivo e natural como a respiração, apenas se sente a vontade e a atração de beijar alguém, e ali era tudo o que eu queria, beijá-la, e eles eram perfeitos, ou quase todos. Mas até a imperfeição do primeiro encontro e dos primeiros beijos transformava aquilo tudo em uma tarde perfeita, um casal de jovens sentados em um banco simples e branco, sob a sombra da marquise protegidos do sol forte e implacável que nos acerta forte todo o dia nessa cidade, aos beijos e abraços como se nada mais nos houvesse.

E então ele mais uma vez resolveu aparecer, o tempo. Três horas haviam se passado desde o começo. Eu ali parado dentro do carro preto, com o som tocando baixo Tem Years Gone do Led Zeppelin, esperando por ela em frente ao seu colégio. Então ela apareceu, linda, óculos na cara, cabelos nanquim, bolsa pendurada num dos ombros, o celular na outra mão e os olhos à procura do meu carro. Eu estava tão congelado de medo que a única reação minha àquilo foi buzinar, ela viu então o carro e veio, abaixou-se, tentou ver pelo vidro e puxou a porta, abaixou outra vez a cabeça e me viu com um sorriso nervoso, ela sorriu de volta e entrou e fechou a porta e veio na minha direção. Demos o nosso primeiro beijo. Inesperado seria a palavra, eu achava que ela iria beijar o meu rosto e eu estava preparado para beijar o seu rosto, quando dei por mim, os lábios dela estavam nos meus. Eu estava paralisado.

Horas depois e os nossos beijos já fluíam como a água que corria pelo rio da sala escura, levantamo-nos e fomos à cafeteria que finalmente estava aberta. Sentamos a uma mesa no canto e ela só queria água e nada mais. Achei engraçado e pedi uma água sem gás para ela e uma com gás para mim. Ficamos ali, bebendo água, nos beijando e rindo das conversas bobas que saíam. Eu cada vez mais ia me encantando por ela, de uma forma totalmente única e inesperada para mim. Eu era um completo bobo, nem parecia com o meu ‘comum’. E, de certo que é para mim, de tanto encanto e de tão bobo que estava, palavras acabaram me escapando ali. Eu disse que a queria como minha namorada, que queria aquele momento por mais vezes, ela ficou insegura quanto à resposta. E eu não liguei, disse que não tinha pressa e que queria outros encontros. Ela então aceitou. A conversa e os beijos continuaram até o final da tarde, era hora de irmos.


Lucas Sales Viana