domingo, setembro 26, 2010

Por quanto tempo?

Eu estou/sou um preso.
Eu sou tudo.
Sou a prisão,
sou o que acusa,
sou o acusado.
Sou a comida,
sou o colchão,
sou o vaso.
Sou a grade,
sou o muro,
sou o giz que marca o tempo.


Lucas Sales Viana

quinta-feira, setembro 09, 2010

What's going on?

A minha primeira lembrança é de quando eu tinha três, talvez quatro, anos. Não estou certo se é uma lembrança real ou só um sonho que vez por outra tenho. É de um homem guardando no porta-malas de um carro, um Chevette na cor branca, eu acho, um aparelho, talvez um videocassete. Ele tinha um cabelo crespo, não muito alto, usava uns óculos pesados, mas ainda tinha um ar jovem, mesmo que, naquele momento, seu rosto estivesse com uma feição séria. Não me lembro da cor da camisa (talvez ele estivesse sem camisa), nem do tipo da calça, do calçado, nem se usava algum adorno ou coisa do tipo.

Lembro-me de abraçá-lo sem saber o porquê de estar fazendo aquilo, de, talvez, escorrer algumas lágrimas por ele, de perguntar aonde ele iria e de não ter uma resposta. [Lembro-me] Dele abrir o portão, que tinha um tom escuro, vinho, talvez, e que não era tão mais alto que ele, entrar no carro, girar a chave e ir. De uma moça fechando o portão e se fechando. De um garoto próximo a mim, assistindo àquilo calado,  com o maxilar cerrado e algumas lágrimas ainda presas às pupilas. De mim, nada lembro a não ser de perguntar quando o moço ia voltar. Não sei estava triste, se estava feliz, ou só com fome, esperando pelo meu mingau.


Lucas Sales Viana

domingo, setembro 05, 2010

Olha, querida, os girassóis.

Onze horas acusa o rádio-relógio com um "School's Out" de Alice Cooper. Sem abrir os olhos, dá um tapa certeiro no barulho. Senta-se, olha para um lado, para o outro, coça-se, pega uma garrafa com um resto de cerveja que resistia ao lado do despertador, engole o que ainda sobrou junto com seus remédios. Levanta-se, vai ao banheiro, mira e mija, dá descarga, lava a mão, o rosto também. Vai até a cozinha, abre a geladeira, só água e um pão mofado. Não dá pra comer aqui. Junta-se a algumas roupas e desce até a lanchonete mais próxima.

Ovos com bacon e um café grande... E me traz umas torradas. Folheia um jornal qualquer deixado pelo cliente anterior. Come sem olhar. Vai saindo... E o dinheiro? Põe na minha conta, Zé. Você não tem conta, seu maldito. Volta ao apartamento. Espaçoso com mobílias antigas, nunca foi muito chegado à modernidade. Abre o congelador, salva uma cerveja. Senta-se no sofá e liga a televisão. Que merda de programa. Desliga.

Vai até o quarto, aproxima-se da escrivaninha, pega umas folhas limpas e a máquina, olha e olha as teclas, cada uma, pensa nas palavras, pensa em cada tecla sendo pressionada, desiste. Vai à cozinha, abre a geladeira, a mesma garrafa com água e a merda do pão mofado. Tira o pão, abre a lixeira e diz: Adeus. Pega um garrafa de vinho. Pátio. Um belo sol lhe acerta à cabeça e seus ralos cabelos que resistem ao tempo. Olha para as plantas que um dia floresceram, viaja.

Férias de 90. Casa de campo de familiares. Ele e ela. Passeios com suas bicicletas pela extensa fazenda. Cachoeira particular, banhos nus, brincadeiras nas pedras escorregadias que geravam quedas e risadas. Pôr-do-sol, deitados à sombra da mangueira, olhando ao longe a dança das enormes plantações de girassóis conforme o vento mandava. Acorda com os pés balançando no ar.


Lucas Sales Viana

Vamos botar pra quebrar, amigos!


Sentado, rumo à morte, sentenciado pela própria mente. Olha por cima, vê pequenas formigas vestidas com diferentes cores, vê carros e motos, grandes, pequenos, preto, cinza, branco, vermelho... Fita o nada, o sol começa a ir, pássaro voam um tanto distantes, ainda não apareceu a primeira estrela... Espera por algo. Por algo que sempre lhe foi dito, o filme. Onde está a porra do filme que dizem que passa na nossa frente? Aguarda dez, quinze, vinte minutos. Nada do filme. Sem filme eu não vou. Beiça a sua fiel companheira, a garrafa de vodca, agarra-a, levanta-se com cuidado e segue o caminho de volta.

Calçada. Olha ao seu redor, olhares perdidos, passos apressados, maletas à mão. Que vida de merda. Pensa em gritar. A (falta de) coragem e o carinho aos bagos o seguram. Uma vitrine interessante. Na exibição, velhos LP's de grandes músicos, uma guitarra azul claro pendurada de um lado, um contrabaixo elétrico vinho doutro. Clássicos. Lembra-se dos velhos tempos, da banda de rock do colégio, ele na guitarra e vocal, ela no baixo e o outro fechando na bateria. Guitarra e baixo tocavam a mesma balada, faziam juras de eternidade.

A bateria atrapalhou os planos...

Decepcionado, afasta-se da vitrine, ruma para lugar nenhum, ou melhor, ele sabia aonde ir, bota a mão num bolso da calça, depois noutro, nada. Vou a pé, preciso perder essa barriga.


Lucas Sales Viana

sábado, setembro 04, 2010

Vendetta.

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Furioso. À porta, ele espera pelo momento. Parabéns pra você... É pique, é pique... Com que será, com que será... Feliz aniversário. Som de campainha tocando. A porta se abre, ninguém. O aniversariante sai da casa, segue pelo caminho de pedras até o jardim lateral. Enxerga um vulto sentado. Quem é? Sou eu, amigo. Você veio, cara, estou tão feliz. Levanta-se e, sem rodeios, acerta em cheio o maxilar do outro. Sangue e cuspe e dentes. Um som relaxante (apavorante) de ossos quebrados é abafado pela conversa da casa. Vai ao chão.

Tenta gritar. Tosse, engasga-se com o sangue misturado ao cuspo. O que eu fiz, pergunta. Estamos quites, amigo. Deitado, olha o vulto se afastando, perdendo-se entre a névoa noturna, apaga. Desconfiada, a casa procura pelo aniversariante. Ele, seguro, apenas observa o desfigurado, as pessoas à sua volta. Esboça um sorriso ao ver a expressão de terror nos olhos dos outros. A mão dói um pouco. Salva um meio cigarro aceso no chão, dá um trago e segue pelos ladrilhos da rua, desviando sempre dos rastros deixados pelos cachorros.


Lucas Sales Viana