Cap. 1
E quando voltei me vi dirigindo o
carro preto de vidros escuros. Page cantando Stairway to Heaven num volume baixo, ela me olhando do banco do
carona com aqueles grandes olhos negros e eu já não sabia quantas arritmias meu
coração alcançava por aquele momento. Eu não sabia para onde ir, nem como
chegar lá, eu não sabia em qual marcha estava, ou se estava com o cabelo
despenteado demais. Olhar para ela, ou para a pista? Em que dia estávamos
afinal?
Finalmente ali eu conhecia a
garota que por semanas conversei e comecei a conhecer pela internet. Estava
encantado, nervoso, ansioso... Minhas mãos tremiam e eu tentava disfarçar evitando
qualquer movimento desnecessário, elas ficavam no volante e só a direita saía
para entrar a marcha. Era impossível não olhar para ela com o canto do olho e ela
sempre estava lá olhando para mim.
O que ela estava pensando afinal?
A cada sinal vermelho uma parada
para beijos e olhares mais profundos. Estar com ela é o único momento em que
desejo que todos os sinais da cidade estejam vermelhos e que permaneçam assim.
E espero até mais, tenho o desejo de todo tolo, que o tempo nunca passe, ou que
pelo menos não tenha tanta pressa, enquanto estou ao seu lado. Mas ele é mau. Ele
se diverte ao passar mais rápido, ao pular os segundos para chegar logo no
minuto, ao cortar pela metade os minutos e gritar a hora. E assim o que
rotineiramente se mostra como uma hora, com ela eram quatro. O tempo zomba da
gente e do meu desejo de sempre estar com ela.
Foi-me preciso um par de curvas
para as ideias voltarem ao eixo e o caminho se mostrar claro outra vez. E a cada sinal que ficava para trás mais
perto do Dragão ficávamos. Nosso primeiro encontro. Eu estava levando-a para
onde eu tinha sempre vontade de conhecer, mas até aquele dia sempre arranjava
desculpas para não ir. Não que eu nunca tenha ido, mas uma rápida passada pela
cafeteria de lá e as tantas outras vezes que ia aos bares da rua de baixo para esquecer
algo dentro das garrafas vazias de cerveja que ficavam em cima das mesas não me
faziam um conhecedor da área. Mas eu não podia perder a pompa. Parei o carro,
subimos pela escada de metal já de mãos dadas. Eu poderia ter jogado a culpa pelas
mãos congeladas no ar do carro, mas ela parecia não se importar, talvez de tão
nervosa quanto eu. Nosso primeiro beijo em pé foi naquela ponte, o Sol batendo
no meu rosto com a força e a inimizade de sempre. Maldito Sol! Mas ela era mais
importante, senti-la era tudo para mim naquele momento.
Eu não tinha a menor ideia do que faríamos ali, eu não
conseguia falar, eu não sabia o que havia em exposição ali, e nem sabia do que ao
certo ela gostava. Era um tiro no escuro. Eu sempre gostei disso, da sensação
de que tudo pode dar errado, ou certo. Era um risco alto, mas a recompensa
valia. Continuamos a caminhar até encontrarmos uma exposição e entramos. Um
quarto escuro com um projetor no teto que jogava numa das paredes uma chuva leve
e tranquila em um rio. No chão dali, dois puffs
enormes e pretos, ou azuis, ou verdes, não dava para ter certeza da cor afinal.
Caímos num e lá ficamos nos beijando. Eu a abraçava e apertava contra o meu
corpo, mas a beijava com calma e sempre com carinho. Eu estava ali com a garota
que conheci pela internet, quem poderia acreditar?
Entraram outros casais, pessoas solitárias, crianças em
excursões escolares, eu podia ouvir tudo e todos, mas não tirava os olhos dos delas,
por mais difícil que fosse vê-los em toda aquela escuridão, mas o verde da mata
do rio ajudava. E então gentilmente nos expulsaram de lá, fomos convidados a
visitar as outras salas da exposição, estouramos o tempo ali deitados. Era a
primeira demonstração da maldade que ele pode fazer conosco. Passeamos pelas outras
salas então e sem muita opção. Saímos em seguida.
Eu consigo lembrar a sua roupa, sapatilhas, calça jeans, a
camisa polo feminino azul-marinho, e os óculos, ela usava óculos, assim como
eu, e que lhe davam uma aparência de inteligente. Ela é inteligente, mais do
que qualquer outra que conheci. Enquanto andávamos pelos corredores perdidos em
nossos pensamentos e nos olhávamos com sorrisos que aos poucos perdiam o
nervosismo daquele momento, caí fundo naqueles olhos que mais pareciam duas
jabuticabas de tão pretos e redondos e brilhantes, acabei viajando e só voltei
com um pensamento na cabeça. Eu estou fodido, estou apaixonado por essa garota!
Quisera eu não estar, seria mais fácil assim das palavras saírem da boca, seria
mais fácil de controlar as emoções, seria tudo mais fácil e menos verdadeiro.
Eu contava com a sua bondade para relevar todo o meu
silêncio e nervosismo. Procuramos por outras coisas, passeamos por todo o
Dragão, fomos ao cinema, e ele estava fechado, procuramos por outras salas com
exposições, e estavam fechadas, a cafeteria também fechada. Droga! Que azar,
cara! Agora ela já deve estar pensando que você nunca veio para cá e sequer
planejou esse encontro. Eu achava ali que tinha perdido no jogo. Mas não.
Sentamos num dos muitos bancos brancos que tinham lá e lá
ficamos. Ela à minha direita sentada e olhando e sorrindo para mim e eu
sorrindo como um bobo, aos poucos as palavras iam saindo, mas logo eram
interrompidas por um longo beijo. A conversa ficou naquilo, no básico. Nas
estórias banais do dia-a-dia e nas curiosas também, nos interesses, nos estudos
e até na família chegamos. Nós já sabíamos que nossos gostos pela música e pela
leitura batiam pelas conversas virtuais. Queríamos mesmo era nos beijarmos.
Eu não sei explicar como o beijo funciona. Ele, para mim, é
instintivo e natural como a respiração, apenas se sente a vontade e a atração de
beijar alguém, e ali era tudo o que eu queria, beijá-la, e eles eram perfeitos,
ou quase todos. Mas até a imperfeição do primeiro encontro e dos primeiros
beijos transformava aquilo tudo em uma tarde perfeita, um casal de jovens
sentados em um banco simples e branco, sob a sombra da marquise protegidos do
sol forte e implacável que nos acerta forte todo o dia nessa cidade, aos beijos
e abraços como se nada mais nos houvesse.
E então ele mais uma vez resolveu aparecer, o tempo. Três
horas haviam se passado desde o começo. Eu ali parado dentro do carro preto,
com o som tocando baixo Tem Years Gone
do Led Zeppelin, esperando por ela em frente ao seu colégio. Então ela
apareceu, linda, óculos na cara, cabelos nanquim, bolsa pendurada num dos
ombros, o celular na outra mão e os olhos à procura do meu carro. Eu estava tão
congelado de medo que a única reação minha àquilo foi buzinar, ela viu então o
carro e veio, abaixou-se, tentou ver pelo vidro e puxou a porta, abaixou outra
vez a cabeça e me viu com um sorriso nervoso, ela sorriu de volta e entrou e
fechou a porta e veio na minha direção. Demos o nosso primeiro beijo. Inesperado
seria a palavra, eu achava que ela iria beijar o meu rosto e eu estava
preparado para beijar o seu rosto, quando dei por mim, os lábios dela estavam
nos meus. Eu estava paralisado.
Horas depois e os nossos beijos já fluíam como a água que corria
pelo rio da sala escura, levantamo-nos e fomos à cafeteria que finalmente estava
aberta. Sentamos a uma mesa no canto e ela só queria água e nada mais. Achei
engraçado e pedi uma água sem gás para ela e uma com gás para mim. Ficamos ali,
bebendo água, nos beijando e rindo das conversas bobas que saíam. Eu cada vez
mais ia me encantando por ela, de uma forma totalmente única e inesperada para
mim. Eu era um completo bobo, nem parecia com o meu ‘comum’. E, de certo que é
para mim, de tanto encanto e de tão bobo que estava, palavras acabaram me
escapando ali. Eu disse que a queria como minha namorada, que queria aquele
momento por mais vezes, ela ficou insegura quanto à resposta. E eu não liguei, disse
que não tinha pressa e que queria outros encontros. Ela então aceitou. A
conversa e os beijos continuaram até o final da tarde, era hora de irmos.
Lucas Sales Viana