sábado, maio 28, 2011

Cinco para uma.

Era noite e sozinho aquele corpo negro na quase escuridão de uma rua mal iluminada do centro daquela velha cidade andava. Era o vigésimo quarto dia de um mês perdido de um ano qualquer de uma década de merda. Sentou-se ali mesmo, na sarjeta como diriam os antigos, acima, o único poste que funcionava num raio de duzentos metros. Segurava um “Waiting for the sun” entre os braços e mais alguns papéis sujos.

Podia ouvir barulhos ao longe, havia pedras de calçamento soltas ao lado, sentiu-se seguro, pelo menos daquilo não precisaria fugir. Os pensamentos apareciam como baratas que saiam do ralo do outro lado da rua com aquelas antenas e patas e asas nojentas e sujas e... pisou numa... Odeio baratas, resmungou baixo enquanto raspava a bota esquerda no chão.

Ficou de costas e apoiou-se ao poste, colocou o disco nas coxas, os papéis em cima e puxou uma caneta ao que parecia de dentro do sobretudo... Eu só espero que essa maldita luz não apague, resmungou antes de começar. Não conseguia [eu] ver o que [ele] escrevia, mas era alguma coisa aquilo, ele não se mexia, exceto o braço direito que vinha de lá para cá e de lá para cá e a cabeça que vez por outra balançava como quem reprova os próprios pensamentos... Oh, ironia linda e má, o maldito poste piscou e morreu e acendeu, alguns passos vinham, contou quatro ou cinco, não tinha certeza, preferiu sair antes de tudo escurecer, morreu de novo.

A morte chegara, levantou e tropeçou nas pedras e derrubou os papéis e o disco clássico e caiu de cara no chão, os passos aumentaram, o instinto gritou e ele correu, os passos corriam, entrou à esquerda numa rua que não sabia e não parou, foi até o final, acertou um maldito muro, caiu, levantou-se, curvou-se, dor, o nariz era estória, a testa estava alta e o ombro direito doía, havia sangue na boca... Não, não hoje, hoje não, dane-se!

Afastou-se e correu e pulou e agarrou-se ao muro... Era noite.

Lucas Sales Viana

segunda-feira, maio 23, 2011

A última oração...

É estranho ainda para mim a forma como eu escrevo, como eu tento criar, ou, simplesmente, reproduzir algo ocorrido comigo ou visto por mim, todos tem um tanto de dificuldade.

Elas me disseram, talvez por brincadeira, que eu estava apaixonado por ti, e isso não é de todo verdade. “Coração não é tão simples quanto pensa”, eu por horas penso não ter mais um, devido à... Ah! Você sabe... Mas, droga, era pra ter sido só um sonho, era pra nem ter sido... Por que tem que ser assim, por que não se pode somente dormir e acordar, como se nada acontecesse nesse intervalo, seria tão mais fácil para todos.

Eu sempre falo que tudo é complicado, talvez nem seja, mas talvez seja, veja só, depois desse tempo, seria complicado (para mim) chegar à ti e dizer que ela, na verdade, eras tu. Imagines só a cena: Eu a chegar e a ti olhar, tu sempre bela e com esse olhar que me complica. Teria eu que falar ao teu ouvido que és tu a de olhar único, falar-te que foste o meu sonho, o meu texto, o meu dia.

E olharias para mim e pensarias e... E eu não sei o que poderia sair da tua boca, talvez um “sim”, ou um “não, não me interessas”, ou o clássico, e quase automático, “talvez”, o que seria deveras engraçado. Depois de toda uma declaração assumida, tu me vires com um confuso “talvez”, sim, seria divertido, eu iria dar um sorriso, afinal eu sei que somos por natureza complicados e indecisos.

Mas, com toda a certeza, isso não irá ocorrer, não por agora, eu preciso, por uma questão de cuidados, afinal eu já me arrisquei a pular e caí feio uma, duas vezes, você bem sabe disso, esperar um tempo para ter uma certeza maior, afinal, nós precisamos, na nossa mediocridade masculina e medrosa, vetorizar um sentimento, porcentá-lo (talvez nem exista esse verbo) para então sabermos se nos vale, ou não, tirar a máscara.

Ah... essas malditas máscaras, esses sentimentos, esses medos, esses textos, esse tudo... e amanhã é outro dia, óbvio, tão óbvio quanto saber que aqueles mesmos olhos estarão logo ali, volta e meia, olhando para mim e... Já sei como resolver isso.


Lucas Sales Viana

quarta-feira, maio 18, 2011

Logos X Pathos


Na ausência do coração, dado outrora, se faz líder de todo eu a massa cinzenta localizada acima do faltante.
Esta, por sua vez, por falta de oposição, feita sempre por aquele, absteve-se de toda e qualquer futura decisão por tempo indefinido, haja vista a não permissão por parte da ordem vigente que decisões sejam tomadas na ausência de um ou mais participantes.
Doravante, até nova audiência onde todos os participantes estejam presentes, fica decidido então, atuação randômica e não punível para as mais diferentes situações que possam vir.
Ademais, fé no que virá.


Lucas Sales Viana

domingo, maio 15, 2011

Você me diz o que fazer agora.

Um mês de quase silêncio. Olhando e ouvindo e pensando. Já nem sabia como começar aquilo, ainda tentava colocar ordem às ideias, quem nunca passou por tal situação? Não sabia o que escrever. Um conto, uma crônica, uma carta, talvez nada sairia dali além de um simples texto, um punhado de frases organizadas em parágrafos que contariam algo novo ou velho ou que ainda iria acontecer, ou não...

“Você, depois de tanto tempo, apareceu no meu sonho e isso, pra começar, já é no mínimo estranho. Éramos você e eu e um quarto e uma cama, em pé estávamos, você, agarrada ao meu pescoço, suspensa com as pernas entrelaçadas em minha cintura e nossas bocas bem próximas, talvez estivéssemos nos beijando, ou apenas sussurrando algo ao outro. Eu me lembro de falar algo e de você abrir os seus lindos olhos e mirar os meus. Aquilo foi tão forte e único que me fez acordar, eu não consegui pensar em nada por um instante, a imagem projetada à minha frente dos seus olhos ainda fitavam os meus.

Levantei-me depois, era hora do almoço, a noite anterior havia sido interessante. Toda a rotina de um sábado morto eu fiz. Eles continuavam ali, quando eu olhava para o lado, eu era preso na confusão do seu olhar, e eles me diziam tudo e me diziam nada, tentava me organizar e sair daquela bagunça de sentimentos e sensações... eles continuam aqui, agora, me confundindo e contrariando e mostrando algo que nunca tinha percebido antes.

Não é sua voz, nem sua forma de andar, nem seu cheiro, nem seus longos e lisos cabelos, nem seu corpo, nem sua cara quando está com raiva. O seu olhar me desconcerta, me tira a máscara e me faz silenciar...”

E a culpa disso tudo era dele, ele se deixou levar mais uma vez.


Lucas Sales Viana