Era noite e sozinho aquele corpo negro na quase escuridão de uma rua mal iluminada do centro daquela velha cidade andava. Era o vigésimo quarto dia de um mês perdido de um ano qualquer de uma década de merda. Sentou-se ali mesmo, na sarjeta como diriam os antigos, acima, o único poste que funcionava num raio de duzentos metros. Segurava um “Waiting for the sun” entre os braços e mais alguns papéis sujos.
Podia ouvir barulhos ao longe, havia pedras de calçamento soltas ao lado, sentiu-se seguro, pelo menos daquilo não precisaria fugir. Os pensamentos apareciam como baratas que saiam do ralo do outro lado da rua com aquelas antenas e patas e asas nojentas e sujas e... pisou numa... Odeio baratas, resmungou baixo enquanto raspava a bota esquerda no chão.
Ficou de costas e apoiou-se ao poste, colocou o disco nas coxas, os papéis em cima e puxou uma caneta ao que parecia de dentro do sobretudo... Eu só espero que essa maldita luz não apague, resmungou antes de começar. Não conseguia [eu] ver o que [ele] escrevia, mas era alguma coisa aquilo, ele não se mexia, exceto o braço direito que vinha de lá para cá e de lá para cá e a cabeça que vez por outra balançava como quem reprova os próprios pensamentos... Oh, ironia linda e má, o maldito poste piscou e morreu e acendeu, alguns passos vinham, contou quatro ou cinco, não tinha certeza, preferiu sair antes de tudo escurecer, morreu de novo.
A morte chegara, levantou e tropeçou nas pedras e derrubou os papéis e o disco clássico e caiu de cara no chão, os passos aumentaram, o instinto gritou e ele correu, os passos corriam, entrou à esquerda numa rua que não sabia e não parou, foi até o final, acertou um maldito muro, caiu, levantou-se, curvou-se, dor, o nariz era estória, a testa estava alta e o ombro direito doía, havia sangue na boca... Não, não hoje, hoje não, dane-se!
Afastou-se e correu e pulou e agarrou-se ao muro... Era noite.
Lucas Sales Viana