CAP. 4
*
Em casa sentei em frente à
máquina, coloquei a cerveja vazia no lixo e procurei por uma folha que pudesse
usar. Eu tinha tudo pronto e apenas apertava as teclas como uma criança de
antes fazia ao usar uma máquina de escrever pela primeira vez, uma a uma, sem
saber o que está fazendo, ouvindo os ruídos engraçados que saíam daquela. Aquele
papel em branco e todos os outros em pilha me deixavam em branco lá dentro, não
conseguia pensar, ou o que conseguia pensar era inútil, levavam a nada,
precisava de alguma coisa, parei por um instante. Peguei uma das canetas e
comecei a rodá-la entre os dedos e fechei os olhos... Lembrei-me da caixa
guardada com textos dos anos anteriores, alguma coisa dali me serviria. Fui ao
armário e puxei uma mala grande, dentro dela muitos e muitos papéis com textos passados,
sentei no chão e comecei a lê-los.
Aquilo estava uma completa
bagunça, todos os textos estavam misturados, a pilha de roupa ainda cheirava a
suor e álcool, a garrafa vazia de cerveja ainda sobre a mesa, os restos do
notebook me lembravam que eu precisaria de um novo e que eu iria precisar de
grana para isso, não podia pedir para os meus pais, não sem pelo menos ter uma
boa desculpa, deixei para dizer que eu havia sido roubado para depois, ou que
ele pegou chuva, ou qualquer outra coisa que naquele momento não era
importante, eu só queria achar alguma coisa útil no meio daquela pilha de
escritos. E lendo era se como eu estivesse vendo um monte de fotografias bagunçadas
minhas que abriam caminhos dentro da minha cabeça, decidi começar a organizar
tudo. Precisei de horas de rápidas leituras para conseguir organizar tudo em
pequenas pilhas. Pegava um texto, lia rapidamente um parágrafo e já sabia se
ali falava da minha infância, ou alguma saída noturna, ou de algum personagem
que morava em mim e tomava vida nas pequenas estórias.
Foi então que achei um, ‘o primeiro’, como eu
o chamo. Bastou a primeira linha e lembranças bateram à porta, como pequenas
crianças a pedir esmola no vidro do seu carro enquanto está parado em um sinal
de um cruzamento de uma rua qualquer. Por mais que você queira baixar o vidro e
dar um pouco de alegria com algumas moedas para aquelas crianças, sabe que
aquilo é errado, não vai resolver a situação, era assim que eu me sentia ao ler
aquilo, rapidamente joguei sobre a pilha identificada com o nome dela. Ela
tinha uma pilha só para os textos dela.
Coloquei na mão outro papel e
passei a lê-lo, deu-me vontade de atear fogo a todos aqueles textos como fazia na
adolescência, onde escrevia por pura insônia. Por não conseguir silenciar todas
as vozes internas, muitas vezes me levantava da cama e ia escrever até conseguir
ouvir o silêncio delas, depois disso, guardava o papel dentro do travesseiro
para no dia seguinte, logo ao acordar, ir para o quintal e atear fogo e ficar
assistindo àquilo, era outro momento em que tinha silêncio, todas as vozes
silenciavam-se, eu silenciava e ficava encarando aquelas chamas e o barulho delas
queimando o papel embebido em álcool. Ver essa mala cheia de textos queimando, seria
algo libertador, mas eu não procurava por essa liberdade, eu queria achar uma
saída do meu problema neles. E então me lembrei de outro momento que tive com
ela. O dia em que ela me pediu para não fazer mais isso e que queria um dia ver
alguma coisa minha.
Terminei de brincar de me
organizar, por mais que eu tentasse me impedir de continuar lembrando o nosso
tempo juntos, aquele não era o momento, eu fedia a suor, a álcool e um tanto de
derrota, a ideia de um tomar um banho era a melhor entre todas as outras que
apareciam na minha cabeça. Fora a melhor ideia que tive e teria naquele dia, o
barulho da água sempre me acalmava.
Tirei a cueca e abri a ducha, a
água estava gelada o suficiente para me dar um susto e me enrugar a pele que
encobre as bolas, entrei com mais vontade e tremendo de frio, minutos debaixo
dela depois e eu já estava acostumado a sua temperatura. Como na infância, pressionei
com as mãos em forma de concha e cheias de água as orelhas e fechei os olhos, a
sensação era a mesma de quando ficava boiando sobre a água de barriga para cima,
é relaxante e sempre me faz pensar com mais clareza, eu tenho pequenas
epifanias nesses momentos. Foi então que eu vi que precisava enfrentar realmente
todos aqueles textos, eles eram eu em forma de palavras e sentenças e estórias,
algo me disse que era ali que encontraria minha saída para todos os problemas
que tive e que me estragou o ano. Fiquei mais cinco minutos naquilo, a água
batendo forte nos meus trapézios e costas era uma ótima massagem, senti-me
relaxado, calmo. Saí.
*
Lucas Sales Viana