domingo, março 25, 2012

"Lembra-se de ontem, caminhávamos de mãos dadas... Eu sempre lembro de você através das noites sem dormir..."


CAP. 4
*

Em casa sentei em frente à máquina, coloquei a cerveja vazia no lixo e procurei por uma folha que pudesse usar. Eu tinha tudo pronto e apenas apertava as teclas como uma criança de antes fazia ao usar uma máquina de escrever pela primeira vez, uma a uma, sem saber o que está fazendo, ouvindo os ruídos engraçados que saíam daquela. Aquele papel em branco e todos os outros em pilha me deixavam em branco lá dentro, não conseguia pensar, ou o que conseguia pensar era inútil, levavam a nada, precisava de alguma coisa, parei por um instante. Peguei uma das canetas e comecei a rodá-la entre os dedos e fechei os olhos... Lembrei-me da caixa guardada com textos dos anos anteriores, alguma coisa dali me serviria. Fui ao armário e puxei uma mala grande, dentro dela muitos e muitos papéis com textos passados, sentei no chão e comecei a lê-los.

Aquilo estava uma completa bagunça, todos os textos estavam misturados, a pilha de roupa ainda cheirava a suor e álcool, a garrafa vazia de cerveja ainda sobre a mesa, os restos do notebook me lembravam que eu precisaria de um novo e que eu iria precisar de grana para isso, não podia pedir para os meus pais, não sem pelo menos ter uma boa desculpa, deixei para dizer que eu havia sido roubado para depois, ou que ele pegou chuva, ou qualquer outra coisa que naquele momento não era importante, eu só queria achar alguma coisa útil no meio daquela pilha de escritos. E lendo era se como eu estivesse vendo um monte de fotografias bagunçadas minhas que abriam caminhos dentro da minha cabeça, decidi começar a organizar tudo. Precisei de horas de rápidas leituras para conseguir organizar tudo em pequenas pilhas. Pegava um texto, lia rapidamente um parágrafo e já sabia se ali falava da minha infância, ou alguma saída noturna, ou de algum personagem que morava em mim e tomava vida nas pequenas estórias.

 Foi então que achei um, ‘o primeiro’, como eu o chamo. Bastou a primeira linha e lembranças bateram à porta, como pequenas crianças a pedir esmola no vidro do seu carro enquanto está parado em um sinal de um cruzamento de uma rua qualquer. Por mais que você queira baixar o vidro e dar um pouco de alegria com algumas moedas para aquelas crianças, sabe que aquilo é errado, não vai resolver a situação, era assim que eu me sentia ao ler aquilo, rapidamente joguei sobre a pilha identificada com o nome dela. Ela tinha uma pilha só para os textos dela.

Coloquei na mão outro papel e passei a lê-lo, deu-me vontade de atear fogo a todos aqueles textos como fazia na adolescência, onde escrevia por pura insônia. Por não conseguir silenciar todas as vozes internas, muitas vezes me levantava da cama e ia escrever até conseguir ouvir o silêncio delas, depois disso, guardava o papel dentro do travesseiro para no dia seguinte, logo ao acordar, ir para o quintal e atear fogo e ficar assistindo àquilo, era outro momento em que tinha silêncio, todas as vozes silenciavam-se, eu silenciava e ficava encarando aquelas chamas e o barulho delas queimando o papel embebido em álcool. Ver essa mala cheia de textos queimando, seria algo libertador, mas eu não procurava por essa liberdade, eu queria achar uma saída do meu problema neles. E então me lembrei de outro momento que tive com ela. O dia em que ela me pediu para não fazer mais isso e que queria um dia ver alguma coisa minha.

Terminei de brincar de me organizar, por mais que eu tentasse me impedir de continuar lembrando o nosso tempo juntos, aquele não era o momento, eu fedia a suor, a álcool e um tanto de derrota, a ideia de um tomar um banho era a melhor entre todas as outras que apareciam na minha cabeça. Fora a melhor ideia que tive e teria naquele dia, o barulho da água sempre me acalmava.

Tirei a cueca e abri a ducha, a água estava gelada o suficiente para me dar um susto e me enrugar a pele que encobre as bolas, entrei com mais vontade e tremendo de frio, minutos debaixo dela depois e eu já estava acostumado a sua temperatura. Como na infância, pressionei com as mãos em forma de concha e cheias de água as orelhas e fechei os olhos, a sensação era a mesma de quando ficava boiando sobre a água de barriga para cima, é relaxante e sempre me faz pensar com mais clareza, eu tenho pequenas epifanias nesses momentos. Foi então que eu vi que precisava enfrentar realmente todos aqueles textos, eles eram eu em forma de palavras e sentenças e estórias, algo me disse que era ali que encontraria minha saída para todos os problemas que tive e que me estragou o ano. Fiquei mais cinco minutos naquilo, a água batendo forte nos meus trapézios e costas era uma ótima massagem, senti-me relaxado, calmo. Saí.

*


Lucas Sales Viana

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