CAP.3
*
Voltei para o quarto, deixei de escovar os dentes e fui direto para a mesa,
queria responder àquilo. Não conseguia parar de pensar naquela frase, nem
conseguia mais escrever nada. Estava com um bloqueio. Parei por um tempo.
Procurei pelo laptop, peguei a garrafa de vodca e coloquei uma dose no copo, fui
até a geladeira e peguei uma caixa de suco de laranja daqueles industrializados
e o enchi, voltei para o notebook e coloquei uma música das tantas que tinha na
memória daquela máquina. A barra preta começou a piscar no topo da folha
virtual.
Comecei. Mas nada vinha,
escrevia, lia e apagava. Fui tomando aquele suco e olhando para a página e
pensando e aquela barra piscante foi se transformando num verdadeiro muro
dentro da minha mente, um grande e preto e alto muro, nada conseguiu passar.
Senti-me irado, joguei com força o computador contra a parede, o barulho da
tela se despedaçando em incontáveis pedaços de vidros me deixou mais calmo.
Resolvi não mexer mais em nada que envolvesse papéis e letras, saí para uma
caminhada em direção a lugar nenhum apenas precisava caminhar e pensar em
alguma coisa. Nada parecia certo ali. Coloquei uma calça de jeans surrada, uma
camiseta de mangas branca, um par de chinelos pretos e os óculos escuros e saí
do meu apartamento. Ganhei a rua.
Caminhei por alguns minutos concentrado em chutar uma pedra, consegui levá-la
por umas três quadras, talvez mais, fui parar numa praça daquelas grandes e
velhas, não conseguia escrever, não conseguia pensar em nada com clareza, ainda
via aquela parede negra me bloqueando, mas não ia me desesperar, eu estava
fodido afinal, não podia fazer mais nada, eu apenas resolvi esperar para ver
qual era a peça que o Deus ia realizar para responder à altura o meu desafio
mais cedo feito. Resolvi sentar num bar da esquina do outro lado da rua, podia
ver da minha mesa toda a praça e algumas casas ao redor. Pedi por uma cerveja e
alguns pastéis, daqueles pequenos de vários sabores, qualquer coisa parar
mastigar e beber já faria daquele momento um pouco melhor. A cerveja veio e os
pastéis minutos depois já com outra cerveja. Não conseguia pensar em nada útil,
em nada que me ajudasse com todos aqueles problemas, como eu podia me ajudar a
melhorar, aquela parede negra parecia aumentar ou era apenas eu que não queria
ver até onde ela ia, resolvi pedir por outra cerveja.
Enquanto bebia a terceira cerveja e comia outro pastelzinho, o jardim de
uma das casas me chamou atenção, era bem cuidado e tinha grandes roseiras com
todos aqueles espinhos, acúleos seria o nome certo, mas sempre vou chamar de
espinhos, os dois furam do mesmo jeito e doi um bocado. Uma das rosas se
destacava com o brilho do sol que batia nela e foi ali que a parede mostrou uma
porta e eu entrei rápido.
Lembrei-me do jardim que construí no quintal da minha primeira casa há
dois anos.
Como já me era de costume não conseguia dormir e estava empenhado em ficar
acordado por mais aquela madrugada, ouvi deitado os primeiros passos de minha
mãe entrando na cozinha pelo corredor. Esperei pelos primeiros barulhos, como o
do liquidificador que ela ligava toda manhã para fazer alguma vitamina, ou das
panelas que se batiam umas nas outras enquanto ela escolhia uma para preparar o
seu sanduíche.
Levantei da cama, abri a porta do quarto e fui até o banheiro. Rosto
lavado, dentes escovados e bexiga aliviada, depois disso eu fui para a cozinha.
Minha mãe pareceu surpresa.
Acordado já essa hora, filho? Pesadelos, mãe, pesadelos...
Não tinha fome naquela hora e decidi ir até a porta que separava o quintal
da nossa cozinha, olhei os pássaros que pousavam ali procurando comida e água. Coloquei
um pouco de alpiste no chão e água em vasilhas rasas e voltei para olhar pela
porta. Mais pássaros apareciam e voavam e voltavam e brigavam com os outros que
tentavam alcançar um pouco de comida. Uma rosa branca brilhava com o sol. Aquela
rosa puxou a minha atenção até ela, era linda e grande e de um branco perfeito,
eu me senti feliz naquele momento, bobo até. Bobo o suficiente para dizer algo
que não costumava dizer.
Mãe, vou construir um jardim para a senhora! Não, cara, para de falar,
isso não é uma boa ideia. Eu tentava me salvar de todo trabalho. Mas eu
continuei. Não acho legal que flores tão bonitas fiquem nesses vasos, vou
construir um jardim e vou colocar rosas nele, só rosas. Isso é ótimo, meu
filho, faça mesmo!
Assim que terminei a frase, me arrependi. Quem é você, cara? Eu estava com
tanto sono assim, a ponto de prejudicar meu julgamento? Ou estava apaixonado
por aquela flor e pela ideia de cuidar de tantas outras? Mas não podia voltar
atrás, eu deveria fazer, dera minha palavra. E fiz.
Dois dias depois com uma marreta na mão e uma peça de metal pontiaguda que
não sei o nome na outra comecei a partir o chão de cimento do quintal. Fazia
calor, o brilho do sol me irritava, eu ganhei calos fantásticos ali, mas não
iria parar, aquilo me deixava com raiva e eu a usava para quebrar todo o chão
onde iria ser o novo jardim. Quebrei tudo em um só dia e retirei todas aquelas
pedras que havia, deixei só a terra compactada.
No dia seguinte com uma pá e com as mãos vermelhas e doloridas tirei toda
aquela terra e troquei por outra que havia comprado no primeiro dia do projeto,
antes de começar a quebrar, numa loja de jardinagem junto com os primeiros
equipamentos que usaria para cuidar do jardim. Depois de trocar toda a terra,
coloquei adubo e fertilizante e misturei tudo, por fim joguei água. Era hora de
descansar. Fiz o cercado da área com tijolos de decoração daqueles usados para
jardim.
No último dia, tirei as roseiras que estavam nos jarros e plantei-as naquela
terra fresca, coloquei outras novas, joguei mais um pouco de água e pronto.
Tinha terminado aquele jardim e a rosa ainda estava lá, sem todo o brilho dos
seus primeiros dias, mas estava lá. Guardei as ferramentas e voltei para a
porta e então olhei de longe. Parecia certo aquilo, no final o esforço não fora
um erro.
Essa primeira lembrança era dos meus 19
anos e antes de começar a cursar o meu primeiro ano de faculdade resolvi
construir o jardim. Era um período interessante aquele, estava à procura de
coisas que me interessavam, e construir aquele pequeno jardim era só o começo delas...
Mas tudo isso não passou do reflexo da minha ansiedade pelo que viria
naquele ano, faculdade pela primeira vez, uma filosofia nova, pessoas novas,
garotas novas e eu. Eu tinha um mau pressentimento sobre todas essas novidades,
tenho certa resistência ao que é novo e foi o que aconteceu durante o ano todo,
ou quase todo ele.
Pedi por outra cerveja e pela conta, saí com a cerveja na mão e continuei
a caminhar sem direção. Passei pela casa das flores, elas eram tão bem cuidadas
quantos as que eu tive, tentei alcançar uma das rosas, meu braço não conseguia
alcançar nenhuma delas, a grade me impedia de chegar mais perto. Dali eu não
tinha para onde ir a não ser outro bar, ou para casa. Decidi ir para casa, era
a minha chance de conseguir escrever algo. Parei numa farmácia, peguei um
antiácido, aqueles pastéis me deram uma bela azia.
*
Lucas Sales Viana
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