[...]
Chego então a
isto, ao epílogo deste romance, mais breve que o esperado, de um final nada desejado.
Pelo menos conseguiu concluir. Diria ela, se cá estivesse, sempre me trazendo
um otimismo, que pouca diferença faz agora.
Imagino-me a
sua porta vestido com o cabelo bagunçado, sem banho tomado, cheirando ainda a
cerveja e uísque, e com meu uniforme, a camisa preta, o par de calças jeans bem
surrado e o par de botas. Seguro um envelope fechado sob o braço direito. Respiro
fundo e estico o outro para alcançar sua campainha. Meus óculos escuros nuveiam
a ressaca e o cansaço, o sorriso raso mitiga a tristeza do que de certo seja o último encontro.
Que você está
fazendo aqui? Trouxe isso, queria que você desse uma olhada antes de tudo. O
que é isso? Outra caixa de coisas que você encontrou pra me devolver? Não, um
rascunho. Não vou ler, te pedi para jogar fora tudo que fosse nosso, assim como
você fez com as minhas e as nossas coisas. Eu olharia para o chão, abriria outra
vez o sorriso cansado, engancharia o pacote entre as grades do seu portão e diria
qualquer coisa me virando para ir embora. A gente terminou... Eu sei, mas eu
escrevia para você, os melhores sempre foram sobre você, para você, assim como
isto. Mas eu não quero ler, Lucas! Não posso! Tudo bem. Queime então, jogue no
lixo, nada mais justo, nem para limpar a bunda isso serve. É meu último
presente, minha musa. Meu passaporte para a liberdade, como você diria.
Eu te pedi
para não fazer mais isso, pedi para apagar os textos, jogar fora, você me
magoou demais, mais do que eu jamais pudesse imaginar, não posso voltar. Não
posso! Eu sei. Não tô te pedindo isso, apenas que leia, não temos mais jeito,
eu sei bem disso, bem antes de terminarmos. Você ler é a última parte do meu
ritual, lembra? Vivemos o momento, em alguma noite seguinte eu bebo, me meto a
escrever sobre você e então te entrego, você lia, sorria e cada vez me amava mais.
Dessa vez você não vai seguir os dois últimos passos. Veja, se eu não
concluísse isso, dessa forma, eu só iria abraçar mais e mais a sombra que me
acompanha e que você conhece tão bem.
Não posso ser
mais sua luz, Lucas, ou qualquer blá-blá-blá que você dizia. Apenas leia. E por
favor, não jogue fora, é a única versão. Fiz na máquina, a única coisa que
escapou da minha fúria. Ou joque, é seu, tanto faz. E respondendo a sua
pergunta, vou vistoriar algumas obras esse final de semana por aqui, estou numa
pousada aqui perto. Tenha um bom dia. Saio da sua vista pela última vez, sorrindo
o sorriso dos mortos, e ansiando por um copo de uísque. Quatro, talvez.
Cada passo
dado na direção oposta a você é uma lembrança vindo à tona. O primeiro
encontro. O primeiro beijo, torto, é verdade, mas sempre será o primeiro. O
primeiro “não”. Os reencontros, o desencontro, a volta em definitivo. É certo
que vou chorar, que você também irá, e em cada lágrima nossa haverá um reflexo
dos risos e sorrisos gastos nesses últimos cinco anos. Cada abraço. Cada beijo.
Cada entrega. Eu vou continuar andando. Sem olhar para trás dessa vez. Caminhos
separados. Nô mais, Musa. Nô mais.
Lucas Sales Viana
Nenhum comentário:
Postar um comentário