CAP.1
*
*
É agora. Essa é a hora. Eu repetia aquelas frases dentro da minha
cabeça em frente ao espelho do banheiro enquanto via a barba crescer. Apenas
olhava para todos aqueles pelos e para os que encravavam. Entre um cravo e
outro que ia estourando, pensava em tudo que estava acontecendo e em tudo que
acontecera naquele maldito ano.
Aquele momento tornara-se comum. Mais uma noite em claro,
mais uma no ano, talvez eu alcançasse ali um novo recorde pessoal naquele, mais
um dos ruins. Eu me perguntava até quando iria durar, sabia que estava
apanhando e não conseguia reagir. Era covarde, talvez fosse isso. E talvez, naquele
momento, eu decidia ali algo grande. Decidi que era para eu começar mais uma
vez. Eu criara ali um novo objetivo (era o mesmo no final das contas), eu só
precisaria de novos caminhos para chegar nele e novas motivações. E de onde
aquele objetivo partiu, eu sabia que a motivação deveria sair de lá também.
E com aquela pouca coragem reunida naqueles dez ou mais
minutos em frente ao espelho caminhei de volta ao quarto e não olhei para mais
nada, apenas fui até a cama e deitei-me. Mal conseguia piscar, enquanto meus
olhos encaravam o teto do quarto dentro de mim eu procurava em cada porta por
aquilo que eu sentia falta a um longo tempo e não tinha coragem de procurar,
meu equilíbrio, a minha essência. Ela estava ali dentro de mim acuada em algum
canto escuro da minha mente, eu precisava procurar por ela. Um homem precisa
ter fé em algo. E aquela ideia fixa sobre algo essencial era a minha luz.
E eu continuei naquele ritual mental de procura até a
estafa. Apaguei, depois de três dias sem conseguir dormir eu estava finalmente dormindo.
E na minha mente eu continuava correndo pelos corredores e abrindo portas e
entrando em salas e quartos e porões. Numa das portas algo terrível me acordou,
não lembro hoje do que era, acordei assustado e suado, não me sentia bem,
sentia uma angústia, um aperto no coração. Era algo ruim, acendi o abajur,
procurei por algum copo de água que tivesse deixado pelo quarto, mas só vi uma
garrafa de cerveja com pouco mais de um gole de cerveja quente nela, bebi com
cara feia, e fui para a máquina de escrever. Mal conseguia andar com todo aquele
sono atrasado, mas não queria dormir ainda, pelo menos não enquanto aquilo
estivesse por perto.
Sentei, estralei os
dedos e procurei por uma folha limpa para colocar na máquina e parei. Olhei por
certo tempo para a folha e para as outras que estavam numa pilha ao lado. Vacilei,
quase desisti, não queria tentar lembrar o sonho, quero dizer, uma vez eu li
que depois de alguns minutos acordado quase todo o nosso sonho é apagado, e ele
já estava indo embora assim como a maioria. Decidi tentar.
Não sabia como começar, não sabia se deveria falar somente
daquele sonho, ou se deveria fazer mais, tentei uma, terminei e tirei a folha.
Li, não gostei e amassei. Tentei com outra da pilha... Tentei mais vezes.
Nenhuma parecia boa, meu medo daquilo não me deixava escrever. Olhei para a
cama, senti a derrota pelo corpo mais uma vez, precisava me deitar, meu corpo
pedia por algumas horas de sono, precisava escrever também, precisava de algo
afinal e não tinha nada até ali. Decidi tentar dormir, tirei a folha da máquina,
devolvi à pilha e me levantei. Deitei-me...
Em vão. Não conseguia parar de pensar, na verdade não
conseguia controlar os pensamentos. Fantasmas rodavam a minha cabeça,
continuavam rodando e se multiplicando e gritavam e me arrastavam e bagunçavam
as minhas ideias com eles. Levantei-me irritado, fui até o armário, tirei uma
garrafa de vodca e um copo de metal guardado por uma toalha pequena, daquelas
de rosto. Coloquei uma dose das grandes, pura, precisava de algo forte para me
derrubar, andava em voltas com o copo na mão pelo quarto, continuei colocando copo
após copo e então ouvi o silêncio dentro da cabeça e a tontura também. Tive uma
última ideia. Fui até a máquina, com certa dificuldade coloquei o papel de novo
e escrevi uma linha, somente uma e então me deitei. Dormi.
*
Lucas Sales Viana
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