CAP.2
*
E assim terminou o dia em que resolvi fazer algo por mim, não foi um dos
meus melhores anos aquele, pra ser sincero foi o pior. Eu estava no meu pior. E
com aquela linha eu iria começar no outro dia um novo momento. Todos temos uma
frase que gostamos de repetir a si mesmos em momentos de dificuldades, e ela se
tornou a minha frase motivacional pessoal mas nunca gostei de repeti-lá, é
muito forte, mas é a verdade. Era tão raro, talvez naquele dia fosse a terceira
vez que eu usava aquela frase, mas era a primeira em que o meu eu bêbado usava
e a primeira também em que ela mais se encaixava ao que eu sentia. Mas foi
preciso, era a mensagem que o corajoso bêbado deixava para o sóbrio covarde.
Eu começava o dia seguinte com o sol do começo de tarde que entrava pela
janela me queimando as pernas, sentia sono, sentia cansaço, tentei fugir dos
raios do sol, não era possível. Sem escolhas me sentei na cama e a primeira
coisa que me veio à cabeça foi dor. Abri os olhos e o brilho do sol refletido
no metal do copo vazio na cabeceira da cama e o cheiro de vodca misturado ao
suor que vinha de uma pilha de roupas num dos cantos do quarto me fez ter uma
dor maior.
Levantei-me e fui até o banheiro, abri a torneira e joguei água um par de
vezes no rosto, passei a mão no rosto e ainda tinha todos aqueles pelos, nada
havia mudado. Mijei. De volta ao quarto,
peguei aquele papel preso à máquina e li. Fiquei com raiva, amassei e joguei na
lixeira. Sentei-me na cama com as mãos no rosto, sentia o gosto amargo do mau hálito
e da derrota. Por um instante senti que ia chorar. Filho da puta! Gritei para mim,
resolvi pegar o papel de volta. Li aquilo outra vez.
Você é um nada.
E outra em voz alta.
Você é um nada.
Sem exclamações. Sem explicações. Apenas uma simples frase. Fria, dura e
verdadeira. Sentia-me desesperado, sabia que estava desesperado, não sabia para
onde ir e bebia sempre. Fugia. Mesmo assim, o bêbado corajoso não fizera nada
errado. Foi apenas frio, duro e verdadeiro. Cai na cama e fechei os olhos e não
vi mais aquela luz, nenhuma outra, era apenas escuro e com essa frase em letras
brancas e grandes e brilhantes como um grande letreiro de um motel de beira de
estrada. Voltei com apenas uma coisa em mente, sede.
Fui à cozinha e tomei um grande copo d’água gelada. Pensei em fazer algo
para comer, peguei uma chaleira, coloquei água, coloquei-a no fogo e o acendi.
Peguei uma caixa de cereal do armário e uma tigela do outro e uma colher da
gaveta ao lado do fogão. Derramei um tanto na tigela. Coloquei a caixa de
volta, tirei o café em pó, coloquei em uma caneca e procurei pelo açúcar... A
chaleira apitou e não conseguia achar o açúcar, sabia que havia um pouco em
algum lugar, procurei pelos armários e nada. Decidi olhar dentro da geladeira e
lá dentro mais um pouco de nada. Algumas frutas, água, um sanduíche do começo
da semana. Precisava fazer as compras.
Porra! Café amargo é o que eu mais preciso agora... O que mais pode
acontecer para tornar esse dia melhor?
Não sabia o que viria naquele dia, mas senti que acabara de fazer uma
grande besteira, senti que desafiara algo superior naquele momento e ele estava
se aprontando para responder àquela afronta.
Que grande merda acabei de fazer!
Esse foi o último pensamento antes de colocar Bob Dylan para tocar e de me
sentar à mesa da cozinha e comer aquela tigela e beber a pouco gosto aquele café
que parecia mais amargo naquele dia. E mastiguei sem pensar e frustrado, quase
nada feliz.
*
Lucas Sales Viana
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