E enquanto eu
dirigia pelas ruas ao som de Jim Morrison, suas músicas cheias de mensagens e
significados me ajudavam a pensar, eu reforçava mentalmente a ideia de não
quebrar o meu código, a ideia de ajudá-la independente da nossa situação
naquele momento. Tive momentos em que a outra voz me dizia para fazer o retorno
na próxima esquina e fingir que nada daquilo havia acontecido. Que eu apenas saíra
para comprar alguma garrafa de vodca e algo para comer.
Mas não podia,
não era e nem sou covarde, nem tão egoísta quanto ela afirmou uma vez. Então eu
estava ali, carro estacionado, chave no bolso, sentimentos no outro e caminhava
sem pressa até ela, sentada e falando besteiras e sorrindo para os seus amigos.
E na minha cabeça um pensamento. Para que tanto fingimento?
Ela me olhou e
me abriu um sorriso fraco e tive ali pena, eu a via chorando por dentro, o seu
desespero, e a forma como me via, como um último recurso, um sorriso entre
lágrimas. Uma pena. E eu me sentei numa cadeira e fiquei ali calado, sem sorrisos,
sem expressões, apenas sentado. Esperando um movimento. E eu respondia a ela. Sim.
Não. Vamos, acabe de comer para que eu possa pagar. Os amigos se foram e
restamos nós. Esperei repetindo mentalmente alguma música do Vedder. Depois de
engolir o último pedaço ela me olhou com aqueles olhos borrados. Ainda vamos
nos casar. Não. Procurei por motivos para todo aquele teatro que ela fazia para
divertir a todos e não me veio nenhum e
então eu levantei e paguei a conta. Saímos.
Agarrada ao
meu ombro ela foi até a sua casa e nós ali conversamos. Insistiu ainda em
manter a pose. Fui frio. Quando você vai aprender que eu vejo por essa sua
máscara, é inútil seu esforço para se manter com ela e fingir que está tudo
bem, olhe para você, veja a merda em que se meteu... E então ela desabou ao perceber
que eu estava certo e chorou como nunca antes eu tinha visto, foi a única
surpresa.
Comprei água e
chocolate, ver uma mulher chorar me parte o coração, e fiquei naquela conversa
enquanto ela comia e bebia até melhorar. Ela falou mais uma vez que íamos no
casar. É impossível que isso aconteça, pensei. Apenas ignorei e continuei a
falar e a balançar de leve a cabeça de forma a negar aquele desejo. Ela percebeu
e me perguntou o porquê. Apenas não. Ela entrou.
Voltei tranquilo,
calmo no andar, e com pena dela. Nessa caminhada soltei todo o silêncio daquela
conversa e fui falando sozinho numa noite sem lua e sem estrelas de uma cidade
suja e barulhenta numa rua interditada para uma reforma qualquer, minhas
sandálias estavam cheias de areia. Alguém na janela do seu prédio talvez
ouvisse aquele solitário lamento com tom de mágoa. Você me virou o rosto quando
eu mais precisei, no meu pior momento. Um único teste, e você tomou o caminho
errado para nós. Escolheu por você e pelas fantasias plantadas na sua cabeça e
foi sem olhar para trás, o que foi cruel. Você nunca olhou para trás em nenhuma
das nossas despedidas, isso parte o coração de um homem. E é isso que você tem
hoje, você, sozinha e tão somente. E o meu sentimento de pena também.
E é assim que
vivemos, minha cara, escolhas, não mais que escolhas, quase todas irreparáveis,
sem segunda chance. E numa escolha impensada você tem sua vida virada ao avesso
em segundos. Eu sei bem disso.
Lucas Sales Viana
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