domingo, novembro 28, 2010

Eu queria lhe agradecer pelo nada, querida.

E estou só, eu estou aqui, na minha solidão, ouvindo coisas que não costumava ouvir, fazendo merdas e mais merdas. Sempre soubeste que fiz tudo por ti e, mesmo depois de tudo, quando já não se podia fazer mais nada, eu lutei por nós.
Nossa, foste a minha inspiração... Talvez, ainda sejas minha inspiração. És-me uma lembrança... Uma boa, uma ruim, eu ficaria com as duas. Não sabes, mas quando [estou] acordado não me lembro daquele dia, mas à noite, enquanto durmo, ele vem. Ver-me embaçado no reflexo daquele espelho, ver-te partindo, saindo dos meus braços, sabendo que aquilo seria o fim de tudo...
Já sabes o que fazer. Eu devo ir, tu deves ir, caminhos opostos e sem olhar pra trás, não te conseguiria ver partir mais uma vez. Não queiras alguém só como um troféu, onde o colocas numa estante e esquece e quando vai lembrar é com saudosismo ou só para tirar a poeira e a teias de aranha. Nunca terás tudo, não és um Deus. Não te preocupes, terás outros idiotas, mas não eu, não mais.
Vá! Vivas a tua vida, eu não quero mais te ver, eu não posso. A felicidade já não me és tu.


Lucas Sales Viana

terça-feira, novembro 23, 2010

Obra Poética II

V


"O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas 
e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).


O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no 
mistério"

[...]

XXIV

“O que nós vemos das coisas são as coisas.
Porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?
Porque é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê,
Nem ver quando se pensa.

Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma sequestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores,
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.”


Alberto Caeiro

segunda-feira, novembro 22, 2010

Caverna de sangue.

E quando estive preso na escuridão, você, minha única luz, se afastou.

Você sentiu o meu medo, você sentiu o seu medo, você aceitou o seu medo, você fugiu. Deixou-me a lutar sozinho naquela caverna suja e escura e fétida. Aqueles ratos a correrem enfurecidos por entre as nossas pernas, poças de água escura onde pisávamos com nojo, morcegos mais se pareciam a gaviões de tão grandes e sedentos pelo nosso sangue, as baratas, de tantas, eram o mar ao se moverem, as aranhas pendiam daquelas pontas afiadas e os escorpiões se escondiam entre as pedras. E aquele cheiro? Cheiro de enxofre e fezes dos ratos e morcegos, e de morte. Você escapou ilesa de lá, talvez você seja uma bruxa, talvez você fosse, ou ainda é, tão má que até os bichos se afastaram.

Você não esperava por mim, ninguém esperava por mim, eu não esperava por mim. Matei tudo e todos e eu inclusive. Corria perdido pelo meu labirinto, tropeçando nos corpos dos meus monstros, caindo com a cara nos rios de sangue que saíam deles. Perdi-me no meu próprio labirinto de dúvidas, não via, por mais que aquilo fosse meu, saídas. Sentei-me num daqueles corpos sujos, desisti de mim por alguns instantes, lembrei-me de você, não poderia te deixar sozinha, não queria te ver sozinha, não queria te ver mais viva, eu precisava te matar. Eu senti o nojo, eu senti o ódio, eu senti a fúria. Eu destruí, então, muro por muro aos murros e chutes, sangrei-me. Senti-me vivo, aquele sangue era meu, aquela dor era minha, aquela dor era por mim e mais ninguém. Não gritei, não precisei, não tinha ninguém a me ouvir. Para quê serve o grito senão para alertar o inimigo das suas fraquezas? Eu não tinha mais fraquezas, eu não tinha mais virtudes, eu não tinha mais a mim. Eu ficaria com medo de mim, se ainda sentisse medo.

Eu andei por aqueles destroços. Eu vi uma luz, eu, sem saber mais como, sorri e chorei, sorri feliz quando vi novamente a luz, não era você, mas era uma luz, chorei ao me sentir vivo depois de todas aquelas mortes, chorei ao me sentir morto, talvez eu não tivesse mais jeito, sorri quando me voltaram as dúvidas, talvez eu não estivesse morto. Eu saí.

E o que eu mais queria era que chovesse, só um banho, era disso que eu precisava.

sábado, novembro 20, 2010

You're running away...

Eram umas dez da manhã, ele acordou com o barulho irritante do pássaro do vizinho idiota. O brilho do sol invadia o quarto pela grande janela e lhe irritava os olhos. Acordou só de cueca boxer cinza, baba escorrendo pelo canto da boca, remela nos olhos e um bafo agradabilíssimo. Que fome! Foi até a cozinha, abriu a geladeira e pegou alguns ingredientes para fazer sanduíches, fez dois. Pegou uma garrafa grande e branca com água, também. Comeu  enquanto assistia a programação idiota que passava na televisão, terminou, guardou o prato na cozinha. Foi ao banheiro, fez mira e mijou, lavou o rosto, escovou os dentes e jogou água no cabelo. Lembrou-se das plantas secas pelo sol terrível que fazia. Ah, depois eu aguo. Voltou ao quarto, ligou a tela do monitor, abriu um dos vídeos do seriado favorito e ficou lá, pelo resto da manhã até o início da tarde.

“Hank, You’re running away” - Disse a loira deusa àquele escritor bêbado e idiota e fodedor e que amava aquela e que no final sempre estragava tudo com aquela que ele tanto amava e dizia amar. Esse é um completo fudido. Droga, eu sou um completo fudido. Estou cansado, de verdade, toda vez é a mesma estória; eu vou, acredito que pode dar certo e no final acabo me fodendo, e o pior é que só percebo que fiz merda no dia seguinte, nunca na hora... Na hora, no calor das ações, não tem nada de errado, está tudo indo muito bem. Aí vem a noite, e com ela, o frio, e com ele, as dores... Merda, eu preciso parar com isso, preciso parar de praticar esporte,  tenho que me dedicar a essas coisas mais mortas, mais sedentárias que a vida oferece. Dizia ele com um saco de gelo enrolado por uma bandagem ao redor do joelho direito inchado, sem contar as outras partes machucadas.

quinta-feira, novembro 18, 2010

O que vem em seguida?

Eu me lembro.

Lembro-me da sua coragem, lembro-me do seu rosto e do seu beijo e dos seus afagos.

Por partes eu canto:

Ela é corajosa por acreditar em algo que nunca viu, pelo menos ao vivo, e quase nunca ouviu, por acreditar em algo que sentiu, isso mesmo, uma sensação a fez, talvez mais do que uma, acreditar naquilo. Ela é corajosa por entrar em um carro preto e de vidros escuros só com uma vaga ideia de como era aquele que dirigia. Eu me pergunto como alguém consegue ser tão louca a esse ponto. Eu não faria nada parecido no lugar dela, talvez eu desistisse no meio do caminho, talvez eu escolhesse o caminho mais fácil, escolhesse ficar em casa, só.

Ela é bela. Ela me foi verdadeira quando segurou minha mão que esperava pela dela. Ela me foi verdadeira quando paramos e me abraçou e me beijou em pleno corredor com um sol escondido atrás daquelas nuvens feias. Ela me foi verdadeira quando falou e quando se calou, ela me foi verdadeira quando me olhava com aqueles olhos assustados, confusos e, por horas, surpresos. Talvez ela nem acreditasse no que estava a fazer, nem eu acreditava. Como ela sairia com um desconhecido, assim, às cegas? Ela me foi verdadeira quando mordia meus lábios enquanto me beijava, enfiava sua língua na minha boca, respirava baixo ao meu ouvido esquerdo, quando tudo que eu fiz foi arranhá-la com minha barba mal feita. Como ela confiaria tanto assim em alguém?

Ela é ímpar... Talvez não seja essa a palavra, por que, afinal, acredito que todos nós fomos feitos aos pares, que não funcionamos sozinhos, podemos até funcionar, mas nunca chegaremos a excelência, não sozinhos. Mas, nesse momento, ela me é ímpar, por acreditar na intuição dela, se arriscar por alguém desconhecido, não vemos muito disso.

E, o mais importante, ela me fez feliz por uma tarde, por enquanto, espero que por mais e mais tardes e dias e noites e madrugadas (Não, não tome minhas madrugadas, eu não sou uma pedra igual a você, eu imploro)... E ainda me perguntava por que eu sorria tanto... Ah, se soubesse todas as coisas que me passam na cabeça.

E eu me pergunto agora:

O que vem em seguida?


Lucas Sales Viana.

domingo, novembro 14, 2010

Trem de mistérios.

Saí daquele bar, entrei na rua ao lado e vomitei alguns líquidos que já tinham feito o caminho reverso há pouco. Pus-me de pé, voltei à rua principal e andei até a entrada do metrô. Já era noite, era madrugada e fazia um frio que me doíam as partes. Esperei no banco sentado em frente aos trilhos. As luzes da estação me ofuscavam e o cheiro que saia dos banheiros me lembrava que precisava vomitar.

A estação tremeu, as poucas luzes que estavam no teto piscaram, os trilhos gritaram e o trem chegou. As portas se abriram e eu entrei. Estava vazio, só havia eu, as cadeiras pichadas com alguns dizeres sujos feitos por alguns babacas e as barras que sequer brilhavam de tão sujas e enferrujadas. Sentei na cadeira ao lado da porta que tinha entrado, não conseguia segurar minha cabeça. A viagem seria longa...

Sequer pude colocar minha cabeça na janela, alguém bateu no meu ombro. Era velha, tinha muitas rugas, um cabelo de cores apagadas e amassado e amarrado por um pano preto, vestia roupas bem surradas e sujas e tinha um sorriso amarelo e com poucos dentes.

O que há com você, meu filho? Tanto lugar pra sentar e você me vem sentar aqui, ao meu lado, sua velha? Eu gostei de você, você me lembra meu neto. E daí, você me lembra que eu preciso vomitar. Você tem algum problema, meu filho, eu posso sentir isso, você quer ajuda? Todos temos problemas, velha, e não, eu não preciso da sua ajuda. Deixe-me ajudar, todos precisam de ajuda. Ah, sua velha, não me venha falar de... segurei o vomito nas últimas.

O vagão tremeu e as luzes internas apagaram e acenderam quando passou por uns trilhos enferrujados que gritaram com todo aquele peso. Então, é isso, meu filho, você está só, alguém dever ter feito algo de muito ruim para você, foi isso? Quanto é a consulta, velha, quando você vai me mostrar as cartas e os búzios? É isso, você se sente abandonado. Conte-me meu filho, eu posso lhe ajudar. Que tal isso: A senhora espera eu cair bêbado no corredor do vagão, pega a minha carteira e some daqui, eu acordo depois em cima do meu vômito e finjo que nada aconteceu, você ganha uma grana, e eu, um pouco de sossego. Não preciso do seu dinheiro, não estou aqui para isso. Velha, entenda... Ninguém pode ajudar ninguém, ninguém quer ajudar ninguém, somos todos coiotes esperando pelos cordeiros mais fracos, esperando pelo momento em que eles se ajoelharão e colocarão a cabeça entre as patas e morrerão de fome, estaremos olhando nossas refeições agonizarem, felizes com um sorriso disfarçado e lambendo os beiços. Nem todos são assim, estou aqui para lhe ajudar. Não minta, sua velha, o que você quer é roubar minha carteira. Já disse que não, meu filho, olhe para mim e veja a verdade nos meus olhos.

Mirei os olhos dela com os meus e por aquele momento eu vi a verdade, eu vi a beleza naquelas rugas que marcavam todo o rosto, naqueles cabelos apagados, naqueles sinais de carne espalhados pelo pescoço, naquele sorriso de poucos dentes e naqueles olhos, olhos negros, olhos vivos, mais vivos que eu.
Por que você está aqui, por que está fazendo isso? Por que você precisa de mim. Eu não preciso de ninguém. Nós já falamos sobre isso. Você perdeu alguém, não adianta, eu posso sentir na sua voz. Escondido, por debaixo de toda essa casca suja e podre, está aquele que você um dia foi, você ainda tem um bom coração, só está bem machucado. Você ainda tem a ingenuidade, que foi bastante abusada por pessoas vis, você ainda tem a vida, que quase, por sua causa, foi embora. Eu já não sou jovem, minha velha, me sinto cada vez mais cansado disso tudo, minha vida é esse vagão que roda por esses túneis que um dia foram iluminados, mas que hoje não passam de buracos de topeira, e que, a qualquer hora, pode sair desses trilhos enferrujados e bater no concreto e parar por vez.

O vagão começou a tremer, as luzes da próxima estação já podiam ser vistas, já íamos mais devagar, os trilhos começaram a gritar e ela os acompanhou com um sermão. Não, meu filho, você é um vagão, um vagão que irá parar na próxima estação e que irá abrir todas as suas portas e novas pessoas entrarão, dessas todas, uma será especial, brilhará com um brilho que só você irá enxergar, com uma cor que só você irá ver. E esse brilho e essa cor serão tão fortes que voltarão a iluminar esses infinitos túneis e limparão esses sujos e enferrujados trilhos e esses pichados bancos. Acho que você andou bebendo, minha velha.
O vagão parou.

Hora de ir, velha! Não se esqueça do que lhe disse, meu filho... Levantei e me equilibrei nas duas pernas e sai por aquela porta. Pisei no pátio da nova estação, olhei para uma escada, para a outra, para a máquina de refrigerantes, os bancos de espera, a cabine com o telefone quebrado e o banheiro que não fedia tanto quanto o outro, olhei de volta para aquele vagão e eu me perguntava o que diabos eu havia bebido, ele estava vazio.


Lucas Sales Viana

sábado, novembro 13, 2010

(sic)

[...] Mas acho muito digno sua preferência por ser solteira, namorando a gente gasta muito tempo, dinheiro e saco com as frescuras do outro. [...]
[...] E quanto a essa de curtir a solteirice, a não ser que você seja uma misandra, se não existir acabei de criar, o que falta é um cara, ou melhor, o cara, pra conquistar esse coração. (procura por misandria, você vai achar) [...]
[...] Essa de ficar preso ou não, vai da cabeça de cada um. Não acredito de que um relacionamento construído num sentimento tão puro e raro hoje em dia seja algo tão ruim como uma prisão, mas isso é o que eu penso. [...]
[...] Não se ama alguém da noite para o dia, com o estalar dos dedos, por vontade própria. Se você acredita nisso, desculpe-me mas está enganada. Eu diria que o amor nasce e se cria e cresce ao longo de uma relação saudável e duradoura. Queria mais caracteres. [...]


Lucas Sales Viana

Há borboletas no meu jardim.

Carta (não) aberta de um otário para qualquer uma que se sinta perdida.

Uma carta aberta seria escrita por uma classe ou entidade com o objetivo de alertar ou reclamar sobre algo que os incomoda atingindo, assim, um grupo específico ou não. Ao final, ou antes mesmo disso, concluir-se-á que isto não será (ou era) uma carta aberta.

Algumas vezes paro, olho para ti calado, olho fundo em teus olhos e penso: Serias tu uma monarca ou uma vice-rei? E, por mais estranho que pareça, cada dia que faço isso, vejo mais e mais tu se tornares na segunda. Isso, de um todo, não é só estranho, como me preocupa, talvez nem saibas do que falo, afinal quem saberia hoje diferençar características tão sutis em algo mais ainda? Eu sei.
Acho fantástico, quase mágico, o desenvolvimento humano, os desafios, as metamorfoses que sofremos ao longo da existência nossa. Por algum motivo que ainda desconheço, certas, eu disse certas, pessoas simplesmente fogem a essa regra e preferem atrofiar e viver algo totalmente insano e doentio, algo que beira a sociopatia. E não satisfeitas com isso, por vezes, insistem em levar algum(ns) para junto desse poço escuro e sujo da mente humana.

Durante nossa estadia confusa nessa terra que nos foi dada, nos deparamos com infinitas personalidades, inclusive essa. A diferença é com que frequência e com que grau de maturidade lidamos com tais personalidades. Falando em específico dessa, quanto maior a interação com esse tipo quando estamos numa fase de descoberta interior, onde, óbvio, sequer nos conhecemos, mais se torna perigoso para nós. Podemos, sem perceber, nos tornar um pouco sociopatas, podendo até a um completo.

Falando agora de ti, tu que estás a se descobrir, a experimentar coisas novas a todo instante em busca de algo que a satisfaça, eu digo somente cuidado, cuide-se, não somos o que nos vendem por aí, não somos super-homens, não conseguimos pular de um prédio alto e parar no chão sem morrer durante a queda ou ao final dela, não conseguimos nadar por diversas horas sem respirar, não temos brânquias, não conseguimos beber tudo aquilo que nos oferecem, não temos fígados de sobra, nosso dois pulmões não são suficientes para suportar toda a fumaça produzida pelos infinitos cigarros que fumamos, sequer nossas bilhões e bilhões de células de nosso corpo são páreos para as infinitas drogas que hoje temos.

Não desejo que se tornes algo mórbido, pode-se sim aproveitar a vida de forma mais natural e humana, podemos juntos passear por aquela praça onde só os velhos andam e ficam sentados a alimentar as pombas com migalhas de pão, podemos viajar com nossos verdadeiros amigos para alguma cachoeira distante e interagirmos com a natureza, algo cada vez mais raro em nossa sociedade, ou podemos simplesmente nos sentar ao lado de alguém desconhecido e iniciarmos, ali mesmo, sem nenhum motivo, uma nova amizade.
E, quanto a metáfora inicial, eu diria: Feche teus olhos por alguns instantes, os instantes suficientes para que tu se descubras ou pelo menos comeces o processo de descoberta, afinal ele não é linear como as fórmulas matemáticas que nos empurram goela a baixo, ele é cíclico, é constante. Busque por verdades absolutas, por epifanias, por mais estranho que possa parecer, procure o teu Deus, não se torne algo que os outros querem que tu sejas, não percas tua essência, se tem algo que ninguém, ninguém, pode roubar de você, é ela, só tu é que és responsável por ela e por ti ,pelo teu corpo, pela tua mente e, por que não, pelo teu coração. Tu és uma monarca, acredite nisso.


Lucas Sales Viana

quinta-feira, novembro 11, 2010

Você é um balde...

- Isso é o fim, então?
Ficou calado.
- Me responda ou eu vou embora!
O bater do sapato direito dela na madeira da sala era o único som que saia daquele local. Ela se virou, abriu a porta e saiu. Bateu a porta com toda a sua força. Ele continuou sentado naquela poltrona de couro velho vestia apenas uma cueca Box e uma camiseta branca.
Abriu o computador portátil e o programa de texto...
Deixem-me contar uma estória. Era uma vez, há muito tempo atrás, numa cidadezinha pequena de clima frio e pessoas mais ainda um casal de jovens. Ele trabalhava na fazenda da família, ajudava com os deveres, tirava o leite da vaca, cuidava das plantações, alimentava os cavalos, limpava o celeiro... Ela ajudava a mãe na venda que ficava no centro daquela pequena cidade, cozinhava alguns pratos, contabilizava o dinheiro, varria o chão da loja... As duas famílias eram próximas, a mãe dela comprava alguns produtos da fazenda da família dele e estes compravam outros produtos que faltas... Ah, isso é uma merda!
O que eu quero dizer é isso:
Ela o olhava em pé com olhos mistos, arrependimento, ódio, medo, vergonha e, talvez, um resto de amor, vestia uma calça jeans que mostravam bem suas pernas e seu belo quadril, uma camisa solta de cor azul, alguns colares e uma coragem que a assustava. Ele era como um morto que se esqueceu de enterrar sentado naquela poltrona marrom e escura de couro velho e rasgado que cheirava às garotas tolas que o divertiam, a olhava da pior maneira, indiferente, ele se olhava assim, olhava o mundo assim, era tudo cinza e preto e desprezível.
Você e eu, nós nos tivemos, passou, você quis que passasse, lembra?! Agora, você não pode esperar que voltemos por sua vontade, não funciona assim.
- Nós éramos jovens. Eu não sabia o que fazer.
- Isso não é meu problema, você fodeu comigo, eu nunca tinha me doado tanto por alguém. E você me pagou com um simples e seco adeus.
- Eu estava confusa.
- Eu já disse, isso não é meu problema. Por que você não conversou comigo? Eu sempre estive ao seu lado, sempre ajudei você. Você foi má, fez-me acreditar em algo estúpido e idiota, fez-me dar a você algo que jamais acreditei que tivesse.
- Eu era nova, você devia entender.
- Eu também era novo, temos quase a mesma idade... Olha, querida, eu entendo, compreendo, mas não queira que aceite como verdadeiro. Aí está a verdade: Você não luta pelo que acredita, talvez você nem acredite em nada,  talvez você seja apenas um balde que as pessoas jogam suas coisas e carregam para onde quiser e isso te deixa completa.
- Você pode ser duro com as palavras você sabia disso? Eu venho por algo que eu ainda acredito ser real e você me trata assim?
- É, [sou]um monstro, eu sei disso. Mas você mente, você não veio por mim, veio por ser uma infeliz fodida, fodida por vários caras e que se viu só um dia, deitada numa cama amassada e que cheirava a suor enquanto um idiota se vestia apressado por já ter se divertido o suficiente por aquela noite. Talvez, numa dessas noites, com as partes assadas você tenha pensado: Onde está aquele idiota que eu tive há tanto tempo? Acho que deveria conseguir algo dele. Parabéns, você conseguiu de novo, conseguiu a mais crua e pura verdade, aquilo do qual sempre fugiu.
- Você é um idiota. Você acredita ser maior que os outros, melhor que eles, mas você é o mesmo que eles, você só se aproveita da situação, imagino quantas e quantas garotas passaram por esse apartamento. Todas esperando por alguém digno e verdadeiro que as salvassem desse mundo.
- Sim, eu sou um idiota e elas também são, você também é, todos nós somos idiotas, com pequenas diferenças, eu aceito a ideia de ser idiota, elas nunca tiveram noção do que é uma ideia e você é só uma idiota mesmo. Você não imagina como elas saiam daqui satisfeitas, elas jogavam seus números como se fossem tranças enormes de cabelos esperando que eu as agarrasse. Tolas. Eu não as culpo, elas não tiveram alguém que as modificassem nas suas vidas, acabaram se tornando cascas bonitas, somente.
- Por que você não as serviu?
- Por quê? Talvez por eu ter dado meu coração a você, apesar de nunca ter acreditado que um músculo poderia sentir algo, até o dia em que ele se apertou até sumir dentro do meu peito quando você me disse adeus, é, talvez tenha sido isso.
- Você disse o que acabou de dizer?
- Disse, eu fui seu, por mais idiota que seja, fui, não me importo em dizer isso, é a mais pura verdade que você pode tirar de um homem.
- Então, por que não tentamos de novo? Você continua me amando e eu ainda amo você.
- Você não me ama, você ama a ideia de ter alguém ao seu lado, você não quer chegar aos setenta e se ver sozinha sentada em um sofá com estampa de flores e com alguns rasgos nos braços assistindo a programação idiota que passa na televisão enquanto espera pela morte.
- Isso não é verdade, nós ainda podemos...
- Não, nós não podemos, eu não sou mais o mesmo e você é a mesma só que sem o charme e a inocência de antes.
- Isso é o fim, então?


Lucas Sales Viana

segunda-feira, novembro 08, 2010

Eu deveria?

Meia noite de um domingo desprezível, um domingo gastado a ler, a corrigir e a dar notas a textos, textos escritos por obrigação, abria a gaveta e tirava um texto, lia, corrigia, dava notas, assim, mecânico, sem graça, mas que dava dinheiro, dinheiro que seria usado para uma boa causa, comprar novas bebidas, estávamos ficando sem bebida, e isso era ruim.
Era um silêncio bom para os solitários, fazia frio, até o telefone gritar me lembrando que alguém ligava. Hey, acho que deveríamos sair? Deveríamos? É, deveríamos. Aonde? Que tal aquela bar? Quem vai? Alguns amigos. É, poderá ser legal.
Vai? Vou, quer carona? Não, obrigado, vou com meu namorado. Certo, chego lá em alguns minutos.
Sentamos naquela mesa enorme, pedimos bebidas, alguns iam de cerveja, outros, vodca, outros, outras. Hey, acho que você deveria conhecer aquela minha amiga? Deveria? Claro que deveria! Então, tá. Vem comigo, eu te apresento. Certo.
Hey, Taís, esse é o Carlo. Carlo, essa é a Taís. Oi. Olá. Elas conversavam sobre alguma coisa que eu não lembro, só me importava com o meu copo até ser interrompido. Hey, Carlo, o que você faz? Nada, e você? Como assim nada, você não tem um trabalho? Ele é escritor. Sério, você escreve? É, grandes bostas. Escreve sobre o quê? Qualquer coisa que vem a minha cabeça, e você faz o que? Sou médica. Hum, bem legal. Hey, me chamam ali, posso deixar vocês sozinhos? Vá lá.
Fiquei em silêncio olhando para o fundo do meu copo, aqueles gelos pediam por outra dose, eu podia ouvir. Ela pedia por atenção, não sei por qual motivo, mas ela queria a minha. Nunca conheci um escritor? Nem eu. Você sempre quis ser escritor? Você sempre quis ser médica? Claro, desde pequena. Bom para você. Você escreve sobre o quê? Já disse, qualquer coisa, até uma conversa entre duas pessoas pode virar um texto. Você está falando sério? Sim. Quer dizer que eu poderia ser uma personagem em um dos seus textos? Talvez, só não sei onde está a parte boa disso. E o que você falaria de mim no seu texto? De você, nada, da sua personagem, diria que deveria ser mais natural, o natural é belo. Conversamos por algum tempo e lembro de rir com ela. Hey, como estão indo? Estamos bem, eu acho. Ótimo, isso tudo é ótimo, vou deixar vocês conversando a sós. Àquela hora, já podia sentir que ela não era tão igual as outras, ou talvez eu estivesse bêbado.
E quando você começou a escrever? Faz um tempo, eu ainda era bem novo, comecei por uma garota, como todo bom otário que faz algo estúpido por uma garota, e, não, não vou falar sobre isso. Ótimo, não quero saber sobre essa. Interessante. Eu olhei para as horas, e, droga, já era tarde, e eu tinha aquelas provas. Taís, eu tenho que ir. Por quê? Eu sou professor e tenho provas pra corrigir e dar notas. É uma pena. É,  também acho, mas acho também que deveríamos sair outras vezes, se você quiser. Claro que deveríamos, aqui o meu número. E ela o anotou, colocou-o num dos bolsos da camisa e me beijou. Retribui e saí. Já tinha chegado ao carro. Eu terei um texto? Acho que sim. De volta aos textos.


Lucas Sales Viana

sábado, novembro 06, 2010

Quem é você?

Era noite, umas três e vinte de acordo com os números da tela ofuscante do celular, acordou no meio de um dos sonhos mais estranhos que já teve, sem o suor, sem se levantar da cama, sem gritar como aparecem nos filmes, apenas abriu os olhos assustados e confusos. Forçou a memória para tentar lembrar aquele rosto. Como eu posso sonhar sem um rosto? Não conseguiu. Porra, mais tarde tem aula, tenho que dormir. Dormiu.
Acordou, horas mais tarde, atrasado para a aula. Correu para o banheiro, mijou, lavou o rosto, passou a escova nos dentes, deu dois tapas no cabelo para pentear e saiu. Foi a cozinha, abriu a geladeira, pegou a garrafa com água e bebeu a metade, salvou uma maçã lá de baixo e lavou-a na torneira, deu um coice na porta da geladeira para fechá-la.
Correu para o quarto, jogou a maçã sobre a cama, abriu o guarda-roupa, sacou a bermuda cinza e a camisa de um azul bem claro, pulou para a bermuda, passou o desodorante, distribuiu os pertences pelos bolsos dela e colocou a camisa, entrou nos chinelos de couro, colocou a bolsa nas costas, a maçã na mão esquerda e o molho de chaves na direita.
Entrou no carro, correu até a esquina. Porra de engarrafamento de merda! Ligou o som, deu uma mordida na maçã, ajeitou os retrovisores, o banco também, as músicas que saiam eram boas, ajudavam a relaxar, o trânsito andou.
Estacionou o carro sobre a sombra de uma velha árvore de uma praça ao lado da faculdade, saiu, jogou a bolsa nas costas, o resto da maça ao pé da árvore, trancou o carro e correu até a sala.
O professor não chegou. Como é? Ele tá atrasado, deve chegar já. Que merda, eu nem precisava ter corrido tanto. Arrumou uma carteira que ficava embaixo de um dos ventiladores, jogou a bolsa na da frente. Abriu um dos fechos da bolsa e tirou o baralho, jogou com os amigos até o professor chegar.
Durante a explicação sobre as ligações atômicas que um determinado elemento da tabela periódica poderia fazer, ele teve a visão meio embaçada daquele rosto, ele sabia das cores do cabelo e pele, do formato do rosto, só não conseguiu fechar nos olhos dela. Ela era um corpo sem olhos, sem nariz, sem boca definidos, era um monte de massa morena borrada e que mais e mais se perdia na memória.
Rabiscou por todo o resto daquela aula o que, para ele, parecia ser a garota. Ouviu o professor chamar pelo seu nome durante a lista de chamada e respondeu. Saiu com os amigos da sala, caminharam até o pátio quando o celular dele tocou, atendeu e começou a conversar com o outro lado da linha.
Foi caminhando pelo corredor que dava à portaria da faculdade, até que, do nada, surge uma garota, morena, não tão mais baixa que ele, de corpo magro protegido pela bolsa de jeans rabiscada, uma camisa branca com detalhes azuis, uma calça também de jeans e chinelas rasteiras, olhou-a de baixo para cima. Eu já vi esses brincos em algum lugar. Perdeu-se da conversa com o telefone e se achou no sonho, a garota do corredor estava usando os mesmo brincos daquela garota, não acreditou, eram brincos verdes e brilhantes, voltou ao corredor, a garota parou para beber água, tentou ver o rosto dela, ainda com o celular, em vão.
Todos os amigos o perguntavam o que estava acontecendo, ele não respondia, o celular gritava e ele nem escutava, foi levado pela massa para fora da faculdade, havia perdido a garota. Voltou para o carro, jogou a bolsa no banco ao lado e saiu.


Lucas Sales Viana

quinta-feira, novembro 04, 2010

Não há esperança na escuridão.

Já ia pela terceira, quase quarta, semana desde que ele a conheceu num café numa tarde de nuvens negras que não queriam deixar o sol sair, nem os pássaros cantarem, nem as pessoas que passavam pelas calçadas e olhavam para cima sorrirem. Ele esperava por um café expresso e por algumas torradas de nome estranho,  enquanto ela esperava por algo ou alguém fingindo ler um livro de capa desenhada e letras destacadas em dourado.
Estavam sentados, ela na cama dele protegida por um conjunto preto quase transparente e ele na cadeira que dava para a mesa de madeira escura só de cueca boxer preta e com o olhar fixo em algumas folhas rabiscadas da mesa, quando ela começou:
- E agora? Estamos namorando?
- Namorando? Acho que não, acho melhor você continuar vivendo sua vida e eu continuar vivendo a minha.
- Como assim, achei que...
- Olha... Você não iria querer conviver com alguém como eu. – Ele a olha nos olhos.
- Mas, achei que...
- É sério, eu não sou o que você deve estar achando aí nessa sua linda cabecinha.
- Mas, a gente...
- Eu sei disso, nós saímos juntos, ficamos algumas vezes, transamos outras, mas não sou o cara certo para você.
- Posso falar?
- Vai, fala.
- Você é sempre assim?
- Assim como?
- Idiota?
- Sim, eu diria que na maioria do tempo. – Ele volta os olhos para os papéis escritos em cima da mesa.
- Por quê? – Ela insiste.
- Por que você é loira?
- Nasci assim.
- Nasci assim.
- Não, ninguém nasce idiota, se torna idiota com o tempo.
- É, talvez tenha sido isso.
- E você acha que sozinho fica melhor?
- Quem disse que eu quero ficar melhor?
- Achei que esse era o objetivo de todo mundo, se tornar alguém melhor.
- É, talvez seja isso. É uma pena que eu não tenha uma lista dessas.
- Dessas o quê?
- Dessas coisas, objetivos, metas, planos...
- Talvez você precise de alguém ao seu lado, todos nós precisamos de alguém para andar ao lado.
- É, talvez fosse essa a peça.
- Você vai ficar falando esse “talvez” sempre? – Ela irritada pergunta.
- Você vai ficar falando esse “todo(s)” sempre?
- Você vai ficar me respondendo com outra pergunta?
- Talvez! – Ele ironiza.
Ele sai até o banheiro, vai à geladeira, pega uma garrafa de cerveja e volta ao quarto. Ela já estava vestida e arrumava o cabelo.
- Eu sei qual é o seu maior medo?
- Qual seria? Palhaços? Escuro? Velhinhos com suas bengalas de marfim?
- Relacionamentos, você é do tipo que foge de todo e qualquer relacionamento.
- Todos temos uma fraqueza, querida.
- Acertei, não foi?!
- Iríamos namorar, noivar e casar, teríamos dois, talvez três, talvez mais, talvez menos... Talvez nenhum filho. Criaríamos expectativas e sonhos e desejos, viriam as frustrações, as falhas e as decepções. Você ficaria velha e flácida, e eu ficaria velho, careca e barrigudo, ficaríamos a nos xingar pela casa e nossos filhos a fumar maconha e a beber todas as garrafas de vodca do meu bar. É isso que você quer?
- O que a de errado com você?
- Eu, basicamente.
- Você precisa de um rumo. Você precisa de alguém. Você precisa de um novo amor.  – Àquela altura ela já gritava com ele.
- Talvez eu só precise de uma garrafa cheia de vodca, amor. – E o quarto foi inundado pelo sarcasmo daquelas palavras.
Ela pegou sua bolsa, a chave do carro e saiu segurando as lágrimas de raiva e decepção. Ele terminou sua bebida lendo uma daquelas folhas escritas em cima da mesa escura.


Lucas Sales Viana