sábado, novembro 06, 2010

Quem é você?

Era noite, umas três e vinte de acordo com os números da tela ofuscante do celular, acordou no meio de um dos sonhos mais estranhos que já teve, sem o suor, sem se levantar da cama, sem gritar como aparecem nos filmes, apenas abriu os olhos assustados e confusos. Forçou a memória para tentar lembrar aquele rosto. Como eu posso sonhar sem um rosto? Não conseguiu. Porra, mais tarde tem aula, tenho que dormir. Dormiu.
Acordou, horas mais tarde, atrasado para a aula. Correu para o banheiro, mijou, lavou o rosto, passou a escova nos dentes, deu dois tapas no cabelo para pentear e saiu. Foi a cozinha, abriu a geladeira, pegou a garrafa com água e bebeu a metade, salvou uma maçã lá de baixo e lavou-a na torneira, deu um coice na porta da geladeira para fechá-la.
Correu para o quarto, jogou a maçã sobre a cama, abriu o guarda-roupa, sacou a bermuda cinza e a camisa de um azul bem claro, pulou para a bermuda, passou o desodorante, distribuiu os pertences pelos bolsos dela e colocou a camisa, entrou nos chinelos de couro, colocou a bolsa nas costas, a maçã na mão esquerda e o molho de chaves na direita.
Entrou no carro, correu até a esquina. Porra de engarrafamento de merda! Ligou o som, deu uma mordida na maçã, ajeitou os retrovisores, o banco também, as músicas que saiam eram boas, ajudavam a relaxar, o trânsito andou.
Estacionou o carro sobre a sombra de uma velha árvore de uma praça ao lado da faculdade, saiu, jogou a bolsa nas costas, o resto da maça ao pé da árvore, trancou o carro e correu até a sala.
O professor não chegou. Como é? Ele tá atrasado, deve chegar já. Que merda, eu nem precisava ter corrido tanto. Arrumou uma carteira que ficava embaixo de um dos ventiladores, jogou a bolsa na da frente. Abriu um dos fechos da bolsa e tirou o baralho, jogou com os amigos até o professor chegar.
Durante a explicação sobre as ligações atômicas que um determinado elemento da tabela periódica poderia fazer, ele teve a visão meio embaçada daquele rosto, ele sabia das cores do cabelo e pele, do formato do rosto, só não conseguiu fechar nos olhos dela. Ela era um corpo sem olhos, sem nariz, sem boca definidos, era um monte de massa morena borrada e que mais e mais se perdia na memória.
Rabiscou por todo o resto daquela aula o que, para ele, parecia ser a garota. Ouviu o professor chamar pelo seu nome durante a lista de chamada e respondeu. Saiu com os amigos da sala, caminharam até o pátio quando o celular dele tocou, atendeu e começou a conversar com o outro lado da linha.
Foi caminhando pelo corredor que dava à portaria da faculdade, até que, do nada, surge uma garota, morena, não tão mais baixa que ele, de corpo magro protegido pela bolsa de jeans rabiscada, uma camisa branca com detalhes azuis, uma calça também de jeans e chinelas rasteiras, olhou-a de baixo para cima. Eu já vi esses brincos em algum lugar. Perdeu-se da conversa com o telefone e se achou no sonho, a garota do corredor estava usando os mesmo brincos daquela garota, não acreditou, eram brincos verdes e brilhantes, voltou ao corredor, a garota parou para beber água, tentou ver o rosto dela, ainda com o celular, em vão.
Todos os amigos o perguntavam o que estava acontecendo, ele não respondia, o celular gritava e ele nem escutava, foi levado pela massa para fora da faculdade, havia perdido a garota. Voltou para o carro, jogou a bolsa no banco ao lado e saiu.


Lucas Sales Viana

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