quinta-feira, novembro 04, 2010

Não há esperança na escuridão.

Já ia pela terceira, quase quarta, semana desde que ele a conheceu num café numa tarde de nuvens negras que não queriam deixar o sol sair, nem os pássaros cantarem, nem as pessoas que passavam pelas calçadas e olhavam para cima sorrirem. Ele esperava por um café expresso e por algumas torradas de nome estranho,  enquanto ela esperava por algo ou alguém fingindo ler um livro de capa desenhada e letras destacadas em dourado.
Estavam sentados, ela na cama dele protegida por um conjunto preto quase transparente e ele na cadeira que dava para a mesa de madeira escura só de cueca boxer preta e com o olhar fixo em algumas folhas rabiscadas da mesa, quando ela começou:
- E agora? Estamos namorando?
- Namorando? Acho que não, acho melhor você continuar vivendo sua vida e eu continuar vivendo a minha.
- Como assim, achei que...
- Olha... Você não iria querer conviver com alguém como eu. – Ele a olha nos olhos.
- Mas, achei que...
- É sério, eu não sou o que você deve estar achando aí nessa sua linda cabecinha.
- Mas, a gente...
- Eu sei disso, nós saímos juntos, ficamos algumas vezes, transamos outras, mas não sou o cara certo para você.
- Posso falar?
- Vai, fala.
- Você é sempre assim?
- Assim como?
- Idiota?
- Sim, eu diria que na maioria do tempo. – Ele volta os olhos para os papéis escritos em cima da mesa.
- Por quê? – Ela insiste.
- Por que você é loira?
- Nasci assim.
- Nasci assim.
- Não, ninguém nasce idiota, se torna idiota com o tempo.
- É, talvez tenha sido isso.
- E você acha que sozinho fica melhor?
- Quem disse que eu quero ficar melhor?
- Achei que esse era o objetivo de todo mundo, se tornar alguém melhor.
- É, talvez seja isso. É uma pena que eu não tenha uma lista dessas.
- Dessas o quê?
- Dessas coisas, objetivos, metas, planos...
- Talvez você precise de alguém ao seu lado, todos nós precisamos de alguém para andar ao lado.
- É, talvez fosse essa a peça.
- Você vai ficar falando esse “talvez” sempre? – Ela irritada pergunta.
- Você vai ficar falando esse “todo(s)” sempre?
- Você vai ficar me respondendo com outra pergunta?
- Talvez! – Ele ironiza.
Ele sai até o banheiro, vai à geladeira, pega uma garrafa de cerveja e volta ao quarto. Ela já estava vestida e arrumava o cabelo.
- Eu sei qual é o seu maior medo?
- Qual seria? Palhaços? Escuro? Velhinhos com suas bengalas de marfim?
- Relacionamentos, você é do tipo que foge de todo e qualquer relacionamento.
- Todos temos uma fraqueza, querida.
- Acertei, não foi?!
- Iríamos namorar, noivar e casar, teríamos dois, talvez três, talvez mais, talvez menos... Talvez nenhum filho. Criaríamos expectativas e sonhos e desejos, viriam as frustrações, as falhas e as decepções. Você ficaria velha e flácida, e eu ficaria velho, careca e barrigudo, ficaríamos a nos xingar pela casa e nossos filhos a fumar maconha e a beber todas as garrafas de vodca do meu bar. É isso que você quer?
- O que a de errado com você?
- Eu, basicamente.
- Você precisa de um rumo. Você precisa de alguém. Você precisa de um novo amor.  – Àquela altura ela já gritava com ele.
- Talvez eu só precise de uma garrafa cheia de vodca, amor. – E o quarto foi inundado pelo sarcasmo daquelas palavras.
Ela pegou sua bolsa, a chave do carro e saiu segurando as lágrimas de raiva e decepção. Ele terminou sua bebida lendo uma daquelas folhas escritas em cima da mesa escura.


Lucas Sales Viana

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